Porque o tempo se encarregou de demonstrar que a estrutura, longevidade e complexidade do Vinho do Porto necessitavam do contributo de diferentes vinhas e de diferentes castas, dando corpo a uma erudição que nenhuma casta sozinha, por excelentes que os seus predicados se anunciassem, seria capaz de proporcionar.
O Vinho do Porto reúne, pois, duas das características principais que nos demarcam do resto do mundo, autorizando uma identidade única que o destaca entre os pares, firmado nas castas originais de Portugal e na arte de as saber associar numa só garrafa.
O assunto é pacífico e poucos se darão ao trabalho de contestar este axioma, sobretudo quando passamos grande parte do tempo a falar e a promover as nossas castas, de como são incomparáveis, e de como somos tão peculiares nesta lógica profundamente lusitana de emparceirar um conjunto alargado de castas no mesmo vinho.
O problema surge quando, em vez de seguir os preceitos de que nos vangloriamos, em vez de seguir a teoria que profetizamos e que pretendemos promover, começamos a estreitar os critérios, deixando de lado as especificidades que nos singularizam. O problema surge quando, ano após ano, declaração após declaração, reparamos que a relação de castas empregues nos lotes dos magníficos Porto Vintage começa a minguar, estabelecendo-se actualmente em pouco mais de três ou quatro variedades, relegando para o esquecimento anos de evolução e adaptação de um número incontável de variedades locais. condenando na passagem uma imensidão de castas a uma extinção anunciada. Na declaração 2009 de Vintage, pasme-se, existem mesmo alguns exemplos de Porto Vintage compostos por apenas duas castas, duas simples castas, duas pobres variedades sozinhas num lote reduzido à mais simples expressão, órfãs da companhia de outras variedades que assistam nas matizes, nos rendilhados e nos sombreados.
Como se comportarão estes Porto Vintage quando chegar o seu tempo de serem avaliados, num futuro a médio ou longo prazo? Poderão eles ostentar a mesma riqueza e complexidade que os seus antepassados, ou estaremos nós a condená-los a um ciclo de vida muito mais curto e unidimensional? Poderão duas simples castas, por muito boas que se afirmem nesse ano em particular, ser suficientes para assegurar a longevidade e complexidade que se esperam daquela que é a categoria mais especial do Vinho do Porto? Não estaremos nós a querer simplificar demasiado aquilo que, por natureza, é complicado e que merece reflexão profunda? Estaremos nós condenados, num futuro próximo, a ter de ver nascer os Porto Vintage estipulados exclusivamente no mesmo triunvirato de castas que hoje dominam os vinhos do Douro, Touriga Nacional e Touriga Franca, assistidas por uma pincelada de Tinta Roriz? Aquela que é a denominação nacional mais rica em história e em património genético de qualidade estará a aplicar ao Vinho do Porto a mesma receita que, infelizmente, tem vindo a aplicar aos vinhos do Douro, reduzindo um património valioso a pouco mais que uma vaga recordação do passado? Como escolha estratégica, pareceme um passo em falso.