Fugas - hotéis

  • Luís Maio
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  • Pedro Cunha
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Um turismo rural fora deste mundo

Por Luís Maio ,

A Matinha mexe com quem lá fica. Tem cavalos para montar, gastronomia gourmet e um casal de donos que não são como toda a gente. É o Alentejo perfeito para quem gosta de escapadelas invulgares.

A visita começou nos 49 comentários postados no Tripadvisor. Há os que adoram, os que detestam - mais raros são os meias-tintas. "O "paraíso encontrado!", "Uma fuga perfeita da cidade", "Um espaço de Amor", ou "O Paraíso Romântico num Portugal tão rico" (as maiúsculas são de origem) sobressaem entre os incondicionais. Já no clube dos não menos ferrenhos opositores cabe destacar "Lugar fantástico, proprietário lamentável", "Instalações médias - Dono com flutuações de humor", "Experiência tortuosa", "Se pudesse voltar atrás nunca teria ido à Herdade da Matinha".

Foi então na mira do imprevisto que me fiz à estrada, mais a mulher e os dois miúdos, com o GPS apontado ao Cercal do Alentejo. Pelo caminho aproveitámos para rebobinar comentários que não eram certamente para levar a sério - há pelo menos dois clientes a protestar por serem obrigados a conviver com moscas e aranhas ... num turismo rural. Já outros testemunhos eram mais intrigantes, sobretudo os respeitantes às "flutuações de humor" do proprietário. Havia quem escrevesse que ele não dá troco a hóspedes ingleses, que pode ser pouco cordial e mesmo rude com quem se queixa das tais teias de aranha ou de o ar condicionado empancar nos quartos.

Todo este falatório criou expectativas, sobretudo quando, um quilómetro depois do Cercal, divergimos da estrada para Milfontes, por um caminho de terra batida à direita. Montes cobertos de montado, nem uma casa, nem vivalma durante três quilómetros, até estacionarmos junto a um estábulo com cavalos. Não havia recepção, nem pessoal à porta para receber os clientes, apenas dois hóspedes a dormir a sesta no sofá sob o alpendre da casa principal com os respectivos iPads ainda ligados, tombados no tapete. Tornou-se logo evidente que a Matinha é outro mundo.


Mudar de vida

"Eu tenho 54 anos de idade, a Mónica menos seis. Eu sou do Porto, ela de Cascais, vivíamos em Lisboa. Eramos típicos urbanos, até que fomos à Austrália várias vezes seguidas, nos inícios dos anos 1990. Aquilo é uma injecção de natureza que nunca mais se esquece. Foi um choque perceber que a natureza é extremamente civilizada. Há um equilíbrio, uma cadência, um silêncio, todas essas coisas que nos fazem apreciar muito melhor o que o homem faz. Pensámos em ir viver para a Austrália, conseguimos os vistos (que são dificílimos de arranjar) e estivemos mesmo para partir. Mas entretanto estive uns cinco meses numa casa que os meus pais têm em Trás-os-Montes, para pintar e preparar uma exposição. No meio das pinturas fui restaurando a casa e descobri potencial em mim que não sabia que tinha. Percebi que podia fazer coisas, que não precisava mais de comprar feito. Isso deu-me autoconfiança para pegar numa ruína e fazer uma casa. Viemos para aqui em 1995, quando comprámos a propriedade de 53 hectares (agora temos 110) com uma casa que não tinha água nem luz. Abrimos em 1998 com quatro quartos, actualmente são 20."

O autor das palavras, já se percebeu, é o proprietário dos supostos humores flutuantes. Chama-se Alfredo e produziu estas afirmações à beira do tanque da casa principal (um dos ex-líbris da herdade), enquanto esvaziávamos copos de rosé duriense e contemplávamos o sol gordo como uma bola de fogo a pôr-se no rendilhado da serra. A história de descoberta da magia natural em lugares ermos da Austrália, cruzada com essa outra narrativa de autodescoberta e mudança de vida - envolvendo abandonar Lisboa e recomeçar da estaca zero no meio de nenhures --, não puderam deixar de me impressionar. Deu-me logo para simpatizar com o Alfredo, disposição reforçada, e muito, quando nos sentámos à mesa para degustar um dos 30 menus que ele improvisou e serve regularmente aos clientes da Matinha.

Dips com pão alentejano, polvo com beringelas de entrada, vitela mertolenga com batatas gratinadas como prato principal, gelados e mousse de chocolate à sobremesa. Um menu original e saboroso, requintado na revisão dos ingredientes clássicos da cozinha alentejana. Trinta e cinco euros por pessoa, mais 30 a garrafa de vinho, não é barato, certamente, mas as críticas dos que argumentam que se come por muito menos mesmo ali ao lado vêm obviamente de quem não aprecia (e não está habituado a pagar) a excelência gastronómica. O meu filho mais velho (dez anos) não se deu ao trabalho de consultar o preçário, mas rapou por várias vezes o prato e acabou a chorar por mais.

No dia seguinte acordou-me cedo a pedir o telemóvel para escrever na Internet que era tudo mentira, que afinal o Alfredo é o máximo. Projecto que logo adiou, mal assomou à janela e avistou dois cavaleiros, um quarentão atlético e o filho adolescente, a desmontar de dois elegantes cavalos de crinas douradas. Regressavam de um passeio madrugador à Praia do Malhão, ali mesmo em frente, a oito quilómetros - mas que só pode ser atingida em linha recta por caminhos de cabras. Este é o percurso mais cobiçado por cavaleiros experientes, mas a herdade tem nove cavalos, incluindo potros perfeitos para a iniciação, que também se faz por montes e vales (25€).


Apelo ao convívio

Os cavalos são um dos programas de ocupação dos tempos livres na Matinha, oferta que também inclui sessões de ioga, num antigo celeiro dodecaédrico (20€), passeios pedonais em sintonia com a recém-lançada Rota Vicentina (20€) e aulas de surf em colaboração com as escolas das praias vizinhas. Fizemos planos para isso tudo e mais, mas como tantas vezes sucede em família acabámos por não ir a lado nenhum. Também é certo que o sítio convida à inércia.

A Herdade da Matinha fica num vale delimitado por duas serras, cobertas de sobreiros, azinheiras e pinheiros mansos, uma boa parte dos quais plantada pelos proprietários, que também semearam o jardim de flores e árvores de fruto que enquadra a área habitada, no coração do vale. Há a antiga Casa do Lavrador, 16 quartos, onde se inclui o edifício de raiz restaurado e colado na perpendicular um acrescento moderno - porque o proprietário "nunca" gostou "de fazer coisas faz-de-conta". Cinquenta metros mais acima fica a Casa de Cima, antiga vacaria que agora abriga seis quartos, e entre as duas uma piscina que rivaliza com o restaurante no top dos sítios mais sociais da propriedade.

Porque na Matinha toda a gente leva o iPad na bagagem, mas acaba a cavaquear com o hóspede do lado. O espaço entre as espreguiçadeiras da piscina é curto, mais ainda é aquele que separa os terraços dos quartos e os assentos nas mesas corridas do restaurante. O convívio é altamente provável, se não mesmo obrigatório. Mas também fortemente voluntário, pelo menos atendendo à colheita do dia. Fizemos amizade com um casal de polacos com uma filha da idade da nossa (dois anos), com a mãe e avó emigrantes que falavam sempre em português ao miúdo de cinco anos, que respondia sempre em francês, com o casal gay italiano que só aparecia aos pequenos-almoços e ainda com o casal holandês que tinha acabado de chegar da Síria, mas preferia falar sobre o Brasil.

Não chegámos a falar com a família portuense do quarto ao lado, mas o serão que passaram a tocar (baixinho) sucessos de bossa nova foi outro dos momentos mágicos da nossa estadia da Matinha. Terá sido uma coincidência, mas é precisamente nesses acasos felizes que apostam os proprietários. Diz Mónica: "O feeling é para mim o essencial. Por sorte, as pessoas que vêm sintonizam-se com esse querer estar bem. É tudo gente com boa onda, não se vê ninguém mal educado. É essa delicadeza que nos liga aos clientes: eles, como nós, não gostam da televisão aos berros, querem a beleza selvagem disto. Isso é excelente e permite-nos ter uma relação muito para além do comercial com os clientes".

Nesta acepção, a Herdade da Matinha é um turismo rural familiar, onde se vai passar um par de noites como quem visita os parentes que foram viver para a província. Por outro lado, no entanto, tem restaurante, piscina e preços mais próprios de um hotel de charme do que de uma casa de hóspedes. Quer dizer que a Matinha mistura as duas coisas - e isso é que tem piada e isso é que é diferente. Claro que quem vai à espera de etiqueta e status quo bem pode reservar a noite noutro lado.

___
Preços: Quartos duplos de 109 a 169€

Nome
Herdade da Matinha
Local
Santiago do Cacém, Cercal, Cercal do Alentejo
Telefone
933739245
Website
http://www.herdadedamatinha.com
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