Fugas - restaurantes e bares

Paulo Ricca

Uma casa com rosto, onde os e vinhos são do melhor

Por José Augusto Moreira ,

É um restaurante com rosto, de estilo romântico e onde se pratica o culto da gastronomia. No Amândio, na zona histórica de Caminha, saboreiam-se peixes e mariscos fresquíssimos e de confecção primorosa, mas também há petiscos em grande estilo, tudo sempre na companhia de vinhos de topo. Amândio Rodrigues é o oficiante de saborosas sessões de culto e a experiência vale mesmo a pena.
Uma casa com rosto, onde os e vinhos são do melhor

Este é restaurante com rosto e Amândio Rodrigues é mesmo um personagem. É certo que sem ele também ali se poderia ser bem servido. Só que não era bem a mesma coisa. Feições miúdas e bigodes arrebitados, o seu papel vai muito para além de zeloso anfitrião ou mestre-de-cerimónias, até porque este não é, definitivamente, um lugar para socialites. Nem Amândio alguma vez o permitiria. Ali pratica-se um culto: a gastronomia. E ele é, assumidamente, o oficiante.

Marca as regras, as distâncias, põe os vinhos e orienta as escolhas. De tal maneira que à primeira não passamos dos mariscos e da segunda não conseguimos chegar às carnes. Haveremos de voltar. A clientela define-o como "activista gastronómico", "gastroliterário" ou "gastropatriota", nas mensagens que por lá vai deixando e que logo denunciam o ambiente de nostálgico romantismo que se respira. A localização, na principal artéria do centro histórico de Caminha (Rua Direita, na ponta oposta à torre do relógio) remete para momentos históricos e, à primeira vista, o estabelecimento poderá até ser confundido com um antiquário ou loja de alfarrabista, tal é a quantidade de livros, quadros e objectos antigos que por ali habitam, ocupando mesmo em permanência algumas das mesas.

Salta à vista que o proprietário não gosta de ter a sala muito cheia, nem de alterar a sua disposição. É preciso preservar a atmosfera, manter o enquadramento. Tínhamos telefonado a fazer a marcação (é sempre conveniente) para um almoço moderado, em dia de praia. "Preparo aí umas coisas", disse Amândio, que à chegada tinha a mesa composta com um generoso balde de gelo onde acondicionou alguns vinhos brancos de catálogo: Alvarinho Soalheiro, Corga da Chã, Brunheda e Redoma Reserva 2007, além de um espumante de Alvarinho ainda sem rótulo. Tudo do melhor.

A mesa compôs-se depois com pratinhos com rodelas de chouriço de Barrancos, fatias de presunto (do Alto Minho, de cura artesanal), um queijo da serra (de Seia, muito bom e em tamanho reduzido) e saladinhas, de bacalhau, de feijão fradinho e de grão. Tudo com os sabores da aldeia e a memória de outros tempos, acentuados ainda pelas fatias de broa de centeio. O bacalhau estava mesmo um primor: desfiado à mão, cebolinha e salsa picadas, uns pozinhos de pimenta e um fio de azeite. Um regalo!

Primorosos também os peixinhos da horta e a pataniscas (minis) que se seguiram, tudo sem quaisquer resquícios do óleo da fritura. Como prato principal dois enormes lagostins azuis, daqueles que nem sempre se encontram e só por si fazem a felicidade de qualquer mesa. Cozidos, simplesmente, para que tudo se guarde e nada se estrague, e que entram ainda vivos na água em ebulição. Um achado, que só por si mais que justificava a jornada.

Faltavam os pratos mais cozinhados e houve, então, que voltar ao Amândio. O mesmo telefonema, a mesma conversa. Também o mesmo espumante (delicioso), desta vez na companhia de três travessas: percebes (que não eram do melhor), caranguejos ecamarãozinho da costa impecáveis. Água, fervura e sabor a mar, sem qualquer complicação de sal ou outros acrescentos tão habituais quanto dispensáveis. Provaram-se também umas amêijoas bem saborosas (equilíbrio entre cebola e coentro), mas o melhor estava mesmo para vir.

Primeiro um valente tamboril refogado, seguido por um não menos guloso arroz de robalo. O primeiro veio à mesa em larga travessa, com as postas do peixe ao meio, regadas com o espesso molho de tomate, e grandes gomos de batata da aldeia cozida e com casca à volta, num interessante efeito visual. Textura, sabor, aromas. Um regalo e um prazer quase sem fim associado ao Douro branco Quinta da Sequeira 2009.

Quanto ao robalo, que veio à mesa no tacho em que foi cozinhado, é assim descrito numa das publicações expostas: "Apanhado nas correntes Ínsua nas artes de curricar, amanha-se com sal grosso, faz-se o refogado com bom azeite, cebola, alho, pimenta e vinho Alvarinho. Juntam-se as postas, deixa-se cozer e junta-se o arroz necessário [carolino, dizemos nós]". Acompanhou com Soalheiro Primeiras Vinhas.

Para finalizar, fale-se apenas da tarte da casa. Massa de pão-de-ló fi na coberta com creme de ovos (da aldeia) e uma camada de canela que se infiltra formando uma pasta compacta e cremosa. Mesmo bom, ainda por cima na companhia do excelente Moscatel Roxo 1999, da Quinta da Bacalhoa. Já todos concluíram que há gente com sorte e o jornalismo, por vezes, coloca-nos muito a jeito.

O Amândio é uma casa fora do vulgar. Sobretudo pelos produtos que usa e a qualidade da cozinha. Além do tamboril e do arroz de robalo, há pratos que prometem outras grandes alegrias, como robalo no pão (vai ao forno envolto em massa fresca de pão), os bacalhaus (açorda e com broa), a lagueirada de polvo ou a vitela assada com arroz de chouriço. Isto para não falar já das lampreias, no seu tempo.

A casa é pequena, podendo acolher nas sete mesas disponíveis até um máximo de trinta pessoas, isto se Amândio Rodrigues estiver para aí virado. Tal como tudo o resto, também o preço parece depender um tanto da forma como o repasto evolui e a soma final poderá ser até inversamente proporcional à satisfação denotada pelo cliente. Pode até dar-se o caso de a conta dos vinhos superar tudo o resto.

Porque, além de gastronomicamente muito recomendável, o ambiente é de letras, aqui se transcreve um poema escrito por um cliente (Luís Amaral), que bem dá conta da sua satisfação. "O que vamos fruindo?/São tons e sons.../São cheiros e sabores.../É um Minho... rio que desagua/E uma maresia que flutua/É um poente quente no Atlântico.../É todo um Portugal que se revela/Num Alvarinho fresco e frutado/No queijo e no chouriço fumado/Naquela caldeirada fumegante/Nos livros escolhidos e expostos/No caos do cosmos de Amândio/ No seu sorriso confortante.../No até breve amigo". É, de facto, assim o Amândio.

(Julho 2010)

Nome
Amândio
Local
Caminha, Caminha, Rua Direita, 129
Telefone
258921177
Horarios
Todos os dias das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 23:00
Preço
30€
Cozinha
Trad. Portuguesa
Espaço para fumadores
Não
--%>