O cheiro intenso a maresia fica fora quando avançamos portas dentro em direcção à luz neste final de tarde já feito noite. Lá fora estamos perto do mar; cá dentro poderíamos estar em qualquer lado - sereno, apenas com a voz de Lisa Ekdahl a preencher o silêncio. Três salas sucedem-se, distintas mas com óbvios traços comuns - o mobiliário nórdico, a iluminação cuidada, quente. Uma sensação de conforto elegante mas casual atravessa todo o espaço.
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Se não o soubéssemos, não imaginaríamos que estamos no Bela Cruz, nome histórico entre cafés e clubes portuenses. Porque tudo está radicalmente diferente. Não é tudo por opção, mas wine & cocktail bar é apodo que veste com orgulho e os petiscos algo que serve com militância.
Seria preciso recuar mais de 62 anos para vermos este último fôlego da Avenida da Boavista, mesmo antes de esta se transformar em “Castelo do Queijo”, sem a silhueta do Bela Cruz, flanqueada pela pequena torre com cúpula modernista. Abriu em 1952 como café e salão de chá, em 1989 fez-se clube. Atravessou seis décadas em funcionamento quase ininterrupto. Quase, porque os últimos dois anos foram de olvido - não andámos distraídos, o Bela Cruz esteve fechado. E, na verdade, de acordo com a hagiografia familiar, os últimos nove anos foram “negros”. Mas esses tempos parecem ter passado, agora que a família regressou “a casa”. Joana Costa tem o discurso bem ensaiado - é a neta do dono original, Ulisses Moreira, e é a nossa guia para esta nova vida do Bela Cruz, ensaiada com o pai, com a cumplicidade da mãe.
É realmente um negócio de família, este, que durante nove anos esteve fora da família. Em 2004, Ulisses Moreira arrendou o Bela Cruz, uma vez que já não conseguia acompanhar o dia-a-dia do negócio que viu a mãe de Joana e a própria Joana crescer. Já era clube, discoteca, e entrou em processo de descaracterização, explica Joana Costa, que culminou com um encerramento feio. Resumindo, o que restou dos anteriores inquilinos foram paredes. A família decidiu voltar a reclamá-las e em Agosto de 2013 reabriu. “Somos muito exigentes, foi uma luta”, afirma.
Os tempos de clube são, definitivamente, parte do passado. O conceito agora está mais próximo de uma “cervejaria espanhola”, com “petiscos, tapas, refeições casuais a qualquer hora do dia”. Já é uma divergência em relação ao Bela Cruz que abriu em Agosto, com aposta grande em pastelaria e em refeições ligeiras, “saudáveis”, a qualquer hora do dia. “Estamos em brainstorming permanente”, nota Joana. Permanece a aposta nos vinhos e cocktails e a crença na versatilidade descontraída. Seja esta no tipo de serviço, como no espaço.
E o espaço é também ele um reflexo da família, tudo trabalhado com o arquitecto, “também designer de interiores”, ressalva Joana. Essa foi uma questão importante para criar todo o ambiente e afastar o Bela Cruz da ideia de discoteca. O espaço foi segmentado, tornando várias zonas de conforto para o cliente. A entrada faz-se pela cafetaria, parede transparente para a avenida, passamos ao lado para o lounge - um pequeno degrau é a separação -, sala mais pequena, com parede de tijolo exposto coberta por fotografias a preto e branco que contam a história do Bela Cruz (e da sua ligação ao Circuito da Boavista) e do seu proprietário. “Ele [Ulisses Moreira] é omnipresente. Não existiria Bela Cruz sem ele.” Os sofás, os candeeiros, a cortina marcam a atmosfera mais intimista deste lounge, meio caminho para a sala principal, uma grelha de madeira a estabelecer a divisão.
A sala, que é na verdade um grande salão, tem uma área de fumadores ao fundo e um cenário marcado pelo balcão (a madeira do tampo tem 200 anos, assegura Joana) e pela estante onde os vinhos se expõem. A parede de tijolos expostos continua por detrás do balcão e do lado oposto uma cúpula deixa entrar luz do dia - entre estes, várias mesas e cadeiras, dispostas como um restaurante, e um grande sofá que é a espinha dorsal da parede principal. A elegância discreta e clean que toda a influência nórdica empresta ao espaço é sublinhada pela iluminação cuidada que nesta sala tem direito a candeeiros originais, grandes círculos de madeira com luz difusa.
O ambiente varia ao longo do dia - o Bela Cruz vai passar a abrir mais tarde, por volta do meio-dia, uma vez que a sua vocação de cafetaria foi menorizada face à de casa de petiscos - e a música acompanha esse ritmo. O jazz e os “sons mais calmos” aceleram um pouco à noite e ao fim-de-semana são DJ a darem música à casa - alternativa, soul... Por enquanto continua o jazz, Cry me a river, e a sensação de refúgio nestes dias de Inverno tempestuoso. No Verão, a esplanada e o jardim receberão a praia, aqui tão perto, de braços abertos.
Bela Mesa
Com a alteração de conceito, o menu do Bela Cruz vai ser alterado. Algumas sugestões vão manter-se, mas as opções vão multiplicar-se e alargar-se a “peixes, mariscos e paellas”. A cozinha tradicional portuguesa
dominará, mas em fusão. “Poderá haver um toque asiático, poderá haver sushi...”. O menu do dia (6,50€) continuará; e as tapas sairão todo o dia: de cogumelos grelhados (3,50€) ao presunto ibérico de bolota
(9,50€), passando por camarão ao alho (8€) e polvo com molho verde (3.50€). Francesinhas (9€), cachorros (desde 3€) e sanduiches club (8€), por exemplo, são valores seguros.
Wine Bar & Cocktail Bar
Com uma longa carta de vinhos que viaja um pouco por todo o país, champanhe e espumante, o Bela Cruz conta também com uma lista de cocktails variados. Que podem ser inesperados se o barman da casa, Paulo
Barros, estiver disponível para fazer misturas à medida de cada cliente. Entre os clássicos, daiquiri, Manhattan, margarita ou Long Island Ice Tea, destacam-se o sorvroska (limão, açúcar e vodka), o green destiny (kiwi, pepino, sumo de limão, laranja, gema de ovo, xarope de açúcar e vodka) e o Bela Cruz. Destaque também para a selecção de cocktails com gin.
Nome
Bela Cruz
Local
Porto, Nevogilde, Avenida da Boavista, 5458
Telefone
226169322
Horarios
Terça-feira, Quarta-feira e Quinta-feira das 09:00 às 01:00
Sexta-feira e Sábado das 09:00 às 02:00
e Domingo das 09:00 às 19:00