Fugas - restaurantes e bares

  • Rui Gaudêncio
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Este apartamento é um dos restaurantes mais bonitos de Lisboa

Por Fortunato da Câmara ,

O À Parte vive num apartamento espaçoso onde estar e degustar têm pesos diferentes. Não é um caso "à parte" em termos gastronómicos mas é, definitivamente, um dos restaurantes mais bonitos da capital.

Uma agradável surpresa. É o mínimo que se pode dizer do ambiente que nos espera após descermos o curto lanço de escadas que conduz a um espaço "aparte" na restauração lisboeta. Instalado discretamente no rés-do-chão de um prédio das Avenidas Novas, o restaurante À Parte fica a dois passos da praça Duque de Saldanha e beneficia das vantagens que uma localização central proporciona. É simples de aceder via transportes e à noite tem estacionamento relativamente facilitado, devido à transfiguração da zona - do característico frenesi laboral diurno de centro urbano à tranquilidade de um quarteirão residencial. Deixemos a mutação de ambiências da avenida Defensores de Chaves onde se situa o restaurante, porque a grande metamorfose acontece no interior.

As tais escadinhas que nos levam a descer abaixo da cota da rua dão acesso a um espaçoso e "elegante appartement", para usar uma expressão de Eça de Queirós. A caracterização do romancista do século XIX também se pode aplicar hoje para descrever este espaço.

O longilíneo corredor que atravessa a casa tem de um lado uma sucessão de salinhas, salas e saletas de passagem aberta. Na parede oposta, as antigas portas servem de elemento decorativo, dependuradas em alusão "retro chique" - não é uma metáfora lá muito queirosiana, mas serve o propósito. Ligadas de uma forma quase labiríntica, descobre-se em cada divisão um estilo decorativo diferente, tendo mais ou menos como pano de fundo a função que cada parte da casa tinha quando era um simples apartamento.

A antiga cozinha mantém a chaminé em mármore, um fogão antigo e a parafernália condizente exposta nas paredes. Alguns recantos têm as paredes revestidas com parte do stock da garrafeira, outros exibem pacotes de arroz, massa, açúcar, farinha e por aí fora, criteriosamente alinhados dando a ideia de uma dispensa arrumadinha como uma estante de livros. Há ainda um logradouro coberto nas traseiras ou a sala de jantar com uma mesa colectiva, como numa casa de família.

Existem de facto vários estilos em cada assoalhada, algumas um pouco apertadas com tanto mobiliário, com cadeiras diferentes, umas mais confortáveis que outras, iluminações variáveis, também umas mais luminosas que outras, sendo quase possível agradar ao gosto de cada cliente - o espaço, embora não pareça, tem a lotação de quase uma centena de lugares. Para receber os potenciais cem clientes, a ementa segue a linha da decoração e vai ao encontro de gostos diversos.

Durante a semana a lista de almoços tem meia dúzia de opções entre carne e peixe, a preços comportáveis para os "habitantes" diurnos que trabalham nas imediações. À noite as propostas sugeridas sobem para perto da meia centena. Além das entradas, há sugestões do chefe, saladas, massas, risottos, carne, peixe, mariscos e uma dezena de sobremesas. Como dizia um dos convivas da mesa durante um jantar, "esta carta atira em todas as frentes". A verdade é que a ideia parece ser a de não deixar de fora nenhum daqueles pratos mais consensuais ou em voga.

O couvert (4 euros): composto por manteiga, azeitonas, patê feito com flocos de atum e um ligeiro sabor a sardinha, pão e tostas; era razoável e ajudou a entreter até à chegada das entradas. Entre meia dúzia de hipóteses escolheu-se o "presunto de Parma com compota de pêra, bacon crocante, rúcula, balsâmico e pinhões" (7,90 euros), onde se destacou o protagonista, laminado em tiras finas a formarem uma pequena torre sobre dois quartos de pêra (em vez de compota), cozinhados numa calda saborosa. O complemento com folhas de rúcula selvagem (algumas já pouco viçosas) temperadas com balsâmico e pinhões alargava um pouco mais os contrastes do conjunto, sem no entanto ofuscar a qualidade do presunto.

A "salada de polvo" (7 euros) vinha gelada e profusamente guarnecida com tomate, pimentos vermelho e verde, salsa e cebola, o que não fazia brilhar nenhum dos ingredientes, muito menos os tentáculos do polvo.

Muito boas as "vieiras na chapa, puré de batata, creme de cenoura com citronela e amêndoa laminada com molho de vinho do Porto" (11,50 euros). Quatro unidades de bom calibre cozinhadas no ponto, apenas brevemente lacadas, conservando a humidade e o delicado sabor marinho no seu interior, um competente puré de batata em feliz parceria do creme de cenoura com o toque "alimonado" de um caldinho de citronela (planta da família da erva príncipe).

Entretanto pediu-se para trocarem os copos de vinho, de formato cónico e vidro grosso, com função mais estética que vínica. Ao que parece os copos adequados são escassos e só surgem a pedido. Porquê? A carta até tem algumas referências interessantes a preços aceitáveis, apenas três estão disponíveis a copo, e infelizmente a oferta foca-se esmagadoramente no Douro e no Alentejo (será que também é para ser consensual!?), com 25 opções para cada uma das regiões e apenas um para Dão e Estremadura. Apesar do desfasamento entre copos e vinhos, as temperaturas de serviço foram respeitadas.

E lá chegou então o "risotto de perdiz com farinheira e grelos" (14,50 euros), um dos sete arrozes propostos. O nico de perdiz no topo servia mais como indicador do que para guarnecer o prato. O grão do arroz no ponto ideal de cozedura, levemente resistente, mas a embeber-se do caldo rico, com a essência do sabor da ave - o caldo é o "segredo" dos risottos. A anunciada farinheira esteve ausente, mas o equilíbrio entre os grelos e o restante conjunto foi perfeito.

Das carnes veio a "presa de porco preto de bolota, com mash de batata, ananás, morcela e molho de mostarda em grão" (14,50 euros), onde o suposto molho de mostarda era na realidade um molho escuro de carne, sem no entanto retirar mérito à carne, bem equilibrada de gordura e sem saturar, acompanhada pela esmagada de batata e umas meias-luas de abacaxi (e não ananás). Igualmente generosa, tal como nas doses anteriores, foi a sugestão do chefe, que recaiu sobre o "filete de peixe-galo com curgete, tomate cherry, batatinha nova, ao molho de camarão e alcaparras" (19 euros). Um lombo fino, confeccionado correctamente, apetitoso mas a puxar ao salgado, graças ao molho e às alcaparras, com os legumes a comporem bem o quadro, mas as batatas "novas" a serem velhas e relhas, apresentando-se murchas e reaquecidas.

Depois de serem servidos os pratos principais, uma das jovens empregadas acrescentou um sonoro "bom apetite" que haveria de repetir-se ao longo da refeição, soando a bengala forçada. O serviço é eficaz, excepto no vinho, mas parece robotizado e com alguma preguiça à mistura, ora a retirar os pratos de forma natural, ora a pedi-los à distância sem se perceber o critério.

Faltavam as sobremesas, que foram escolhidas à vista após a chegada de uma bandeja repleta de copos (à laia de verrines) com mousses diversas e outras preparações compostas por camadas (3,70 euros/cada). O "leite-creme com chantilly e morangos", alojado por debaixo dos restantes parceiros, obviamente não vinha queimado, mas o insólito era o despropositado sabor a pudim instantâneo. O que salvou o epílogo foi uma excelente "panna cotta de frutos silvestres".

Este À Parte é um espaço bem imaginado, sendo provavelmente um dos restaurantes mais agradáveis e incomuns da cidade. É daqueles projectos em que o conceito e o ambiente têm mais peso na experiência do que a ementa, ou seja a parte comercial suplanta a vertente gastronómica, sem que no entanto se saia defraudado. A tentativa de agradar a diferentes públicos, visível numa lista que joga pelo seguro sem correr grandes riscos, deste belíssimo appart nas Avenidas Novas não o coloca assim tão "aparte" de outros restaurantes. Há momentos em que o essencial pode ser estar num local descontraído com os amigos e partilhar uma refeição sem grandes complicações. Se os "anfitriões" de serviço forem genuinamente acolhedores e a comida deixar boas recordações, melhor, mas por vezes isso é mais um elemento acessório e não o "prato principal" da noite. Uma casa grande, um ambiente fantástico, um serviço irrepreensível e uma cozinha memorável, são factores difíceis de conjugar no mesmo espaço. Quando se consegue, temos um verdadeiro caso à parte em que o essencial e o acessório dão lugar ao engenho e à arte.

Nome
Restaurante À Parte
Local
Lisboa, Lisboa, Avenida Defensores de Chaves, 14C
Telefone
213543068
Horarios
Segunda a Sábado das 12:00 às 15:30 e das 19:30 às 00:00
Website
http://www.a-parte.com
Preço
25€
Cozinha
Portuguesa Contemporânea
Espaço para fumadores
Sim
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