Fugas - restaurantes e bares

  • Vasco Célio

Sabores do mar, de preferência a dois

Por Fortunato da Câmara ,

Na Quarteira, o “Jorge do Peixe” traz para a mesa os melhores peixes e mariscos da costa algarvia em barco próprio. O privilégio de ter acesso directo ao mar, pode e deve ser mantido no tacho para não deixar o sabor de peixe “afogar”.

A sugestão titulada é mais gastronómica que romântica, pois a ideia do “a dois” é origem semântica já que as grandes especialidades da casa são apenas servidas em doses para duas pessoas. O “Jorge do Peixe” não é de todo um local onde o romance ande no ar. Fica numa zona urbana indiferenciada que não deixa memória, nem acrescenta grande história à secular terra da Quarteira, que desde os romanos faz da pesca a sua alma mater.

Freguesia de gentes pobres e afincadamente trabalhadoras na faina, viu crescer-lhe no ventre a localidade de Vilamoura que está nos antípodas deste historial piscatório. Rodeada dos luxos da hotelaria e dos selectos campos de golfe, é sem dúvida uma filha rica, mas está longe de ser uma rica filha pois a Vilamoura do lifestyle não se mistura e só volta a casa para matar saudades da comidinha materna

A Quarteira sabe que é o parente pobre da família que fez nascer, mas joga o jogo sem pudor. Quem visita o mercado municipal sabe que vai ter o melhor peixe com um preço de fervor, quiçá porque a altivez não precisa de favor. Antes assim do que ir a alguns restaurantes da popular e singela Quarteira e o suposto “melhor do mundo” ser peixe congelado do outro lado da fronteira. Não se está livre de comprar gato por lebre, e ainda sair de cara alegre por lhe terem esvaziado a carteira. 

É com o intuito de se apartar destas águas turvas da especulação piscícola que Jorge Silva vem à mesa apresentar-se na qualidade de anfitrião e anunciando que o restaurante tem um barco próprio (detido pelo irmão) que serve de garantia para atestar a origem e qualidade daquilo que serve. Junto a uma das montras, a réplica da embarcação que fornece a casa é um dos destaques na decoração da sala. Há mais alguns apontamentos decorativos de redes de pesca ao longo do espaço que apesar da pouca fluidez de circulação entre mesas continua a não ter lotação suficiente para acolher os pedidos de reserva que rapidamente esgotam os lugares.

Quando Jorge decidiu abrir o restaurante tinha atrás de si uma herança familiar de várias gerações ligadas ao mar. A primeira morada foi no largo mercado e desde 2006 ocupa quase um quarteirão de um prédio nas imediações da avenida central da freguesia. O grande chamariz é mesmo a matéria-prima exposta logo à entrada onde os olhos rapidamente se enchem de desejo com a variedade e o brilho refrescante dos peixes do dia (salmonetes, corvina, pregado, etc.), e de mariscos diversos como ostras, santola e outros, onde o destaque maior vai para os carabineiros e o venerável (e oneroso) camarão da Quarteira.

A lista é extensa e variável de acordo com as vagas do mar e a carga aportada pela traineira privada. Entradas de amêijoas ou conquilhas à Bulhão Pato, lingueirão e diversos tipos de gambas e camarão. O que toda a gente procura parece ser as “especialidades da casa” com preços entre os 33,50 euros de uma massinha de camarão com amêijoas, e os 99,50 euros de um arroz de lavagante ou de lagosta nacionais.

Neste intervalo de preços encontram-se arroz de lingueirão com gambas ou amêijoas, massada ou arroz de pargo, cataplana de peixes e cataplana algarvia com lombinho de porco preto com amêijoas. Todos os pratos são para duas pessoas com a justificação de ser tudo feito ao momento e por isso ser mais viável para a cozinha haver menos pedidos por mesa. A título complementar há nas carnes picanha, medalhão de novilho três pimentas, e tornedó terra e mar.

A simplicidade das coisas boas surgiu logo no “Couvert” (1,50 euros), que era uma metáfora do que pode ser chamado de “dieta mediterrânica”, com pão regional de grande qualidade como ainda se vai fabricando por aqui, sobretudo no barrocal. azeitonas “verdeais” muito boas, sem saberem a tratamentos de amadurecimento brusco e forçado, nem temperos extras distractivos a ocultarem a boa estirpe que tinham. Veio ainda uma garrafinha com um excelente azeite alentejano de Brinches, deixada na mesa (registe-se) para se molhar o pão a bel-prazer.

A carta de vinhos não é muito extensa, mas tem diversidade suficiente para contemplar algumas dezenas de itens onde se incluem uma ou outra referência de topo das regiões do Douro, ou da mais longínqua Champanhe. Provenientes das cercanias também há rótulos do Algarve, embora sejam poucos para a oferta qualificada que já é possível ter. A nota a reter, e que em certa medida surpreende, é que os preços revelam alguma sensatez em determinadas propostas comparados com a especulação costumeira, muitas vezes a raiar o absurdo em zonas mais turísticas. O armazenamento em armários climatizados também é outro ponto a evidenciar.

Ao nível do serviço, a tónica observada nas diversas mesas é servir o primeiro copo (quando é possível), deixar a garrafa, e está feito. Com a sala cheia e o aperto das tarefas os empregados mantêm o tom cordato e alguma eficácia mas o que impera é o despachar tudo e todos da melhor maneira que conseguem. 

Chegaram então as primeiras entradas com uma agradável “Salada de polvo” (4,50 euros) de troços firmes (mas não rijos) dos tentáculos, que foi temperada com um toque ponderado de vinagre sem ferir o sabor do molusco. Cubinhos de pimento e feijão-frade faziam uma guarnição diferente dos triviais cebola e salsa, ou coentros.

Quente e muito boa estava a “Sopa de peixe” (4,50 euros) que era um caldo claro a ressumar aromas provenientes das lasquinhas de garoupa, pargo e cherne, cubinhos de tomate e pimento e massa cotovelinhos. Óptimo sabor a mar numa dose generosa que dava para repetir com agrado. Produtos raros normalmente rima com preços caros, foi o que aconteceu com as magníficas “Ovas de choco” (52,50 euros / quilo) apreçadas acima das “gambas da costa”, de prestígio seguro. Vieram 280 gramas, ou seja meia dúzia de ovas salteadas em azeite e alhos esmagados (ainda encamisados), com um molho aveludado e um pouco cítrico em tons laranja, feito a partir dos corais. Um momento de puro deleite a recordar.

O prato principal foi apenas um, dada a envergadura da proposta. Num tacho preto de ferro veio o “Ensopado de garoupa com amêijoas e hortelã” (44,50 euros / 2pax) numa dose avantajada que saciaria sem problemas o apetite de três convivas. Infelizmente o resultado deixou a desejar em termos de execução. Além de não ser propriamente um ensopado, uma vez que trazia batatas às rodelas como numa caldeirada, o pão frito em azeite só chegou a meio da prova – ora se é ensopado deve ser servido com pão em vez de batatas, mas isto é um detalhe pois o facto de na “amêijoa-boa” várias terem areia estragou logo uma parte da percepção. 

As várias tranches de garoupa eram de grande categoria, juntamente com o estufado saboroso feito com pimentos e tomate, que no fundo se assemelhava bastante a uma caldeirada. No entanto o que marcou definitivamente o prato foi a mão-cheia de hortelã que pulverizou tudo o que de bom estava ali. Para se sentir o sabor do peixe era preciso isolá-lo do resto e provar as lascas interiores. Confesso que senti alguma frustração, pois a expectativa estava cada vez mais elevada. 

Dei uma pequena volta pela sala e vi o mesmo excesso de hortelã noutros dois ensopados, o que vale a pena refletir é se todo o empenho que há aqui em ter um produto de excelência (e isso é notório) faz sentido para depois o fazer sucumbir aos caprichos organolépticos de um ingrediente complementar à receita. Todas as ervas que sejam passíveis de se fazerem infusões como a hortelã, os poejos, a erva-príncipe, devem ser usadas com parcimónia pois rapidamente tomam conta da cena e expulsam a figura de cartaz. 

Para suprimir estes amargos de espírito vieram as “3 Delícias algarvias” (3,95 euros), uma espécie de tarte composta pelos três produtos regionais icónicos. Na base uma camada fina de bolo de alfarroba, em seguida um creme consistente de amêndoa, ovos, e açúcar, e no topo a cobertura densa de pasta de figo com pedacinhos de amêndoa laminada. Tudo disposto por níveis e aparência tricolor, sabores equilibrados e destrinçáveis entre as várias composições, numa sobremesa que faz uma boa síntese da rica doçaria local. Já a “Tarte de limão” (3,25 euros) era feita com a clássica base de massa quebrada, guarnecida por um recheio com a frescura e a acidez esperada para casar, e se destacar, em contraste com o vistoso e bem montado merengue italiano da cobertura.

Ficou algum desalento por apenas se ter provado uma das especialidades, mas nas restantes provas foi evidente a qualidade do produto que o “Jorge do Peixe” faz merecida gala em servir, e isso é das coisas mais difíceis e trabalhosas de conseguir num restaurante. Quanto ao resto, basta reter que por vezes “menos é mais” e que a hortelã tem de ser apenas uma nota no meio de toda a composição, para não passar de refém a vilã.

Nome
Jorge do Peixe
Local
Loulé, Quarteira, Rua de Dom Dinis, Lote AM 1, Loja D
Telefone
289301481
Horarios
Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 15:00 e das 19:30 às 22:30
e Segunda-feira das 19:30 às 22:00
Website
http://www.restaurantejorgedopeixe.com/
Preço
40€
Cozinha
Peixe e Marisco
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