Fugas - restaurantes e bares

  • Ricardo Castelo/NFactos
  • Fernando Veludo/nFactos
  • Fernando Veludo/nFactos
  • Ricardo Castelo/NFactos
  • Ricardo Castelo/NFactos
  • Fernando Veludo/nFactos
  • Fernando Veludo/nFactos

Emoções fortes com o mar aqui tão perto

Por José Augusto Moreira ,

Rui Paula ainda é capaz de surpreender. Na Casa de Chá da Boa Nova, a par da cozinha de sabores que é a sua imagem de marca, há também uma componente de criatividade, sofisticação e elegância que vai em linha com a genialidade do espaço desenhado por Siza Vieira em Leça da Palmeira.

Espaço de culto e reverência para os amantes da arquitectura, a Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, associa agora a emoção gastronómica ao conjunto de sensações que sempre proporcionou aos visitantes do lugar. Mérito para a autarquia de Matosinhos que, depois de alguns anos de abandono e degradação, soube recuperar e devolver à sua vocação inicial o espaço que desde 2011 está classificado como monumento nacional. Louvor que é ainda maior porque, apesar das dificuldades legais e burocráticas, foi também capaz de encontrar a parceria adequada para valorizar o espaço e dignificar a função.

Está linda a obra idealizada por Fernando Távora e desenhada por Siza Vieira. Ao génio arquitectónico e melhoramentos na envolvente, junta-se agora também a função restaurativa com um conceito de elegância e criatividade a condizer. Todos os detalhes foram cuidados ao pormenor com intervenção e supervisão do laureado arquitecto, da recuperação do mobiliário à iluminação e escolha de loiças. Tudo Siza Vieira teve que aprovar e testar.

É por isso que há quem seja capaz de se emocionar até às lágrimas quando bebe a atmosfera do lugar (sim, é frequente) e também quem, mesmo conhecendo o trajecto do chef Rui Paula, se surpreenda pela vertente de génio criativo que aqui exibe. Isto sem deixar nunca de praticar uma cozinha de sabores, que é a sua marca distintiva.

Não é, portanto, impunemente que se entra na Casa de Chá da Boa Nova. Franqueada a porta, num plano superior, a vista prende-se num janelão inferior por onde se projecta a espuma das ondas que se esbatem contra as rochas graníticas. Estamos mar adentro e há que ir bebendo o ambiente.

Alguns degraus abaixo, num patamar intermédio, somos conduzidos à sala de recepção, onde funciona também o bar e são servidos os aperitivos: rolinhos de milho recheados com pasta de guacamole, esferificações de queijo chèvre, tártaro de vitela com maionese nitrogenada e trufas de alheira. Sabores e aromas rústicos, afirmativos e naturais (milho, alheira, vitela) a par da técnica, sofisticação e elegância da apresentação em porções micro, numa evidente aproximação às propostas da carta de temporada.

Nos três menus de degustação “Atlântico”, “Do Mar e da Terra” e “Boa Nova” é claro o propósito de oferecer peixes e mariscos, a condizer com a grande tradição da cozinha marinheira local. Uma ideia que é reforçada com a proposta complementar de três “clássicos”, que são servidos para duas pessoas e da forma tradicional em doses generosas. Ou seja, para aqueles que não alinham em “modernices” de degustações com vários pratos e pequenas porções há, assim, o “arroz caldoso de peixe e lavagante da nossa costa”, a “cataplana de peixe e marisco” e o “robalo ao sal”, cada um por 80€.

Exclusivamente dedicado aos peixes, o menu “Atlântico” (120€) consta de “sardinha na brasa (broa de Avintes e ar de gaspacho), “Carabineiro” (boletos e molho de cacau), “Pescada de anzol” (plâncton e percebes), “Robalo no seu habitat” (bivalves, algas e salsifi), a “Caldeirada” (robalo, mexilhão e lavagante), o “arroz de lula” (arroz e molho bordalês) e três sobremesas. Também no “Do Mar e da Terra” (120€) predominam os peixes, com a “Galinha” (Vieira, fregola e trufa branca) e a “Feijoada transmontana” (feijão, enchidos e legumes) a emparceirar com “Cavala” (Sapateira e beterrada), “Caril do mar” (carabineiro, vieira e mexilhão) e “Canneloni de bacalhau” (puré de grão-de-bico e coentros) mais as três sobremesas. Numa versão mais curta, e combinando os dois, menu “Boa Nova (85€) consta de quatro pratos com duas propostas alternativas para cada um dos momentos.

Optou-se, desta vez, pela conjugação “Do Mar e da Terra” com o menu mais curto, que proporcionaram uma experiência gastronómica saborosa e entusiástica. De tal forma que a dado passo o rigor profissional acabou superado pelo entusiasmo da degustação. Perderam-se as notas e apontamentos mas ficou o registo do gozo e satisfação, que são, afinal, aquilo que sempre se procura. Uma felicidade!

O restaurante de sonho

Registo, ainda assim, para o carabineiro, de frescura, aroma e sabores insuperáveis. Confecção primorosa, quase a deixar a sensação de ter caído directamente do mar ao prato, ele próprio com um formato irregular a fazer lembrar as ondas. Pormenor delicioso com a textura e sabor da fatia de cogumelo, macia e aveludada a lembrar um qualquer tubérculo.

Genial também a execução da pescada, fresca, sumarenta e com delicioso crocante por efeito da delicada fritura no azeite num dos lados. Acompanha com lâminas de lírio fumado, ravioli de ovas e molho de plâncton. Aroma, sabor e frescura em envolvente harmonia. O mesmo se diga do bacalhau em canneloni, com delicada brandade, pele crocante, a couve, azeitona (em pasta), cenoura (pickle suavíssimo) e o grão (puré). Ou seja, um clássico em veste moderna e sofisticada e de grande estilo.

Bem interessante é também o exercício de desconstrução feito com a feijoada transmontana que, quem diria, aparece no prato numa composição atraente e elegante. Um cone, no meio com um crocante, executado a partir dos sucos da feijoada, dentro do qual se “esconde” todo o sabor rústico da feijoada transmontana. Está lá tudo, as carnes, enchidos, orelha, barriga, tudo picadinho e de sabor imaculado. Olha-se e parece uma heresia, prova-se e há mesmo a mais tradicional feijoada.

É isto que faz deste Rui Paula da Boa Nova um cozinheiro que ainda é capaz de surpreender. Mesmo para quem lhe conhece o percurso, a garra e competência com que tem trabalhado uma cozinha de sabores e marca própria. Há por aqui uma criatividade, elegância e sofisticação que se julgaria fora dos seus propósitos. Não por uma questão de capacidade, mas por opção, estilo e concepção, que sempre quis orientados para o produto e sabores tradicionais.

Este é um Rui Paula elegante e sofisticado mas que ao mesmo tempo — e aí está a surpresa — consegue manter a matriz de sabor e imaginário tradicionais. Ou seja, uma cozinha orientada para a criatividade e técnica dos tempos modernos, mas que consegue também preservar — e até potenciar — os sabores da memória.

E basta provar coisas como a sua sardinha na brasa ou o arroz de lula para que tudo isto seja uma evidência. Em lombos limpos e com broa de Avintes, a sardinha torna-se delicada e elegante sem perder nada do sabor e intensidade das feiras e arraiais, enquanto o arroz de lulas é um prato de grande técnica e criatividade. Há no prato uma lula estilizada que encerra o aroma e sabor do estufado, um arroz desidratado, a cabeça crocante do calamar e uma elegância que faz do empratamento uma obra de arte.

Caso raro de critério e eficiência é o serviço e lista de vinhos. Ainda bem jovem, Carlos Monteiro é já um profissional de mão-cheia, um mestre-de-cerimónias impecável e pouco cerimonioso, que acompanha, aconselha e apoia o cliente com invulgar eficácia. Não só é exímio na análise e aconselhamento dos vinhos, como é capaz também de, ao longo da refeição, ir percebendo os gostos e preferências do cliente e proporcionar-lhe a prova de um vinho adequado. Uma evidente mais-valia.

A carta de vinhos, com cerca de meio milhar de referências, abrange toda a produção nacional e também a mais representativa de todo o mundo. Há boas opções a preços sensatos e também muito interessantes e alargadas sugestões a copo, como aconteceu no nosso caso. Começou-se com o espumante da Bairrada, claro, o Quinta das Bágeiras Super Reserva, que está fantástico, para continuar com o Mapa Branco 2014 que é um achado em termos de qualidade e preço, e terminar com o Vinha Paz 2011 que é uma das melhores expressões do Dão.

Na abertura do restaurante, há quase ano e meio, Rui Paula não escondia que este era o seu restaurante de sonho e tanto ele com a autarquia mostravam a ambição da fazer da Boa Nova um novo ícone gastronómico do Norte de Portugal. Pelo que se vê, o sonho está concretizado e a ambição realizada. A clientela, que é o mais importante, já o reconhece e atrás dela virão o reconhecimento e prémios internacionais. É apenas uma questão de tempo.

Nome
Casa de Chá da Boa Nova
Local
Matosinhos, Leça da Palmeira, Avenida da Liberdade, 1618
Telefone
229940066
Horarios
Segunda a Sábado das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 23:00
e Segunda-feira das 19:30 às 23:00
Website
http://ruipaula.com/
Cozinha
Autor
--%>