Fugas - viagens

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    A caminhada começou no Castelo de Guimarães Nelson Garrido

Na senda de Afonso Henriques, Isabel encontrou um país sem destino

Por Ana Henriques

Durante três semanas, Isabel Pessôa-Lopes percorreu Portugal de castelo em castelo. Saiu de Guimarães, berço da nacionalidade, e só parou em Lisboa, no castelo de São Jorge. Sempre a pé, dormiu em quartéis de bombeiros, apanhou alguns sustos mas o que mais lhe custou foi encontrar um país deprimido e alguns monumentos degradados.

Para quem não nasceu com asas, e ainda por cima sofre de vertigens, Isabel Pessôa-Lopes estica-se muito. Que o digam os vigilantes do Castelo de São Jorge, quando aqui há dias a viram trepar a muralha por cima da porta onde ficou entalado Martim Moniz. Último dia de uma jornada de três semanas para percorrer os passos de Afonso Henriques entre Guimarães e Lisboa na fundação da nacionalidade, aquela tarde chuvosa podia ter sido o fim das aventuras da astrofísica de 46 anos viciada em caminhadas. Já estava empoleirada por cima da célebre porta quando percebeu que o castelo que se estendia à sua frente terminava abruptamente no abismo, mesmo atrás de si.

Os vigilantes começaram a apitar-lhe freneticamente para descer dali. "Se vem uma rajada de vento acabo aqui hoje", assustou-se. A descida foi tudo menos heróica, mas foi assim que se habituou a fazer para enganar as vertigens e a falta de asas: "Há truques: sobe-se aos sítios altos de joelhos e desce-se sentada", o rabo a bater nos degraus até os pés agarrarem por fim terra firme.

Isabel Pessôa-Lopes percorreu a pé e sozinha centenas de quilómetros por estradas e caminhos, de castelo em castelo. Do berço da nacionalidade, de onde partiu a 5 de Outubro, dia do seu aniversário, rumou à foz do Douro, onde Afonso Henriques pediu apoio aos representantes dos cruzados para expulsar os mouros. Sempre na peugada do fundador do território portucalense, passou pelo mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, no qual o rei jaz sepultado, pelas fortalezas de Soure, Pombal, Leiria, Óbidos, Alfeizerão, Santarém...

À medida que avançava sempre a pé por montes e vales na senda da reconquista, mapas do Instituto Geográfico do Exército e GPS a guiarem-lhe os passos, interrogava-se uma e outra vez: "Onde estão os homens deste país? Como deixámos Portugal chegar a este estado depois de Afonso Henriques ter batalhado uma vida inteira para o criar?" A morar há mais de 20 anos fora do país, e neste momento com residência em Londres, a caminheira não se envergonha de dizer que chegou a chorar perante a desgraça em que encontrou a nação onde nasceu.

Não é a primeira vez que atravessa o país a pé: no Verão de 2011 deu a volta a Portugal em 80 dias, pelo interior raiano e pela fronteira marítima. Testemunhou até que ponto o Estado se pode esquecer das gentes que tem por missão governar. "Nesses 80 dias vi miséria, especialmente nas povoações mais remotas. Mas desta vez vi pessoas a passar fome. Gente bem vestida que às 7h, antes de ir trabalhar, vai para a fila de uma instituição de apoio social buscar pão e leite para poder dar o pequeno-almoço aos filhos", descreve, impressionada. "Onde estão os homens deste país?", pergunta outra vez. "Nunca se viu tantos nos cafés e nos sofás de casa, a fazer coisa nenhuma. O povo vive revoltado, mas não se revolta. Estamos entregues a ineptos!", dispara, defendendo que chegou a altura de "os melhores e os mais capazes se chegarem à frente" na condução dos destinos da nação. Algo tem de mudar, defende: "Pedir aos cidadãos deste país que corram maratonas depois de lhes terem partido as pernas há décadas é ignorar que eles já se encontram de joelhos!".

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