Vivemos tempos delicados e conturbados, eternamente atormentados pela crise, permanentemente desconfiados sobre o futuro, atordoados por receios e incertezas sem fim, numa época onde o desalento e o pessimismo se insinuam de forma insidiosa no espírito colectivo. Vivemos numa espécie de depressão colectiva suportando sucessivos actos de contrição e desalento, reclamando por motivos de orgulho e alegria, por momentos de redenção que voltem a alimentar a alma e o brio de ser português.
Momentos em que a dignidade de uma pátria e dos seus vinhos se afirmem de forma supina, devolvendo o orgulho de viver num país que sabemos ser capaz de produzir e acarinhar vinhos que, definitivamente, se aproximam do divino. Foi precisamente esse sentimento que conseguiram experimentar os que participaram numa prova temática cumprida na passada semana, durante o evento Essência do Vinho, onde a qualidade, originalidade e longevidade dos vinhos generosos nacionais foi evidenciada de forma particularmente eloquente.
Numa deslumbrante e opípara viagem por sete vinhos lusitanos, distribuídos pelas três grandes famílias de vinhos generosos nacionais, Madeira, Moscatel e Porto, um grupo alargado de jornalistas e sommeliers internacionais, maioritariamente convidados da Essência do Vinho, ViniPortugal e AICEP, descobriram alguns dos muitos tesouros que Portugal encerra nas suas caves.
Como é possível que um país tão pequeno em dimensão territorial consiga oferecer vinhos tão diversos no estilo, tão díspares no perfil, tão dissemelhantes no carácter. mas tão excepcionalmente perfeitos e equitativos na qualidade ímpar como os incríveis Madeira, Moscatel de Setúbal e Porto? Como é possível que Portugal consiga oferecer três estilos de vinho de qualidade mundial, inscrevendose como a grande referência a emular nos vinhos generosos? Que centelha de génio iluminou as almas dos nossos antepassados para poder apresentar vinhos que, ainda hoje, com mais de um século de existência, continuam a apresentar-se jovens, frescos e monumentais? Que outros países no mundo poderiam apresentar uma prova onde se apregoassem tantos vinhos com mais de um século de vida, sem que a idade se tornasse evidente na prova? Quantas outras provas poderiam deixar o mesmo ar de estupefacção e comoção em jornalistas de vinhos empedernidos pelo tempo, habituados a provar o melhor de todo o mundo, deixando-os sem palavras perante o brio, solenidade e nobreza dos vinhos apresentados? Que vinhos eram estes que encheram de exultação e emoção a Sala do Tribunal do Palácio da Bolsa? Simplesmente três vinhos Moscatel, dois vinhos do Porto e ainda dois vinhos da Madeira a terminar a navegação. As hostilidades foram abertas com um Bacalhôa Moscatel 20 Anos 1983, naquele que foi o primeiro Moscatel da Bacalhôa, deixado em repouso forçado durante vinte anos, engarrafado em 2003 para o gozo de quem teve o privilégio de o provar. Denso, carregado de casca de laranja cristalizada, mel, iodo e um toque salino, é uma verdadeira perdição! Gordo e mastigável, pejado de toffee e café, de tão viscoso quase se consegue cortar com faca e garfo.