O mosteiro está fechado, mas as vozes que ouvíramos ao chegar saem dos "quartéis" em redor. Subimos junto das salas escuras, sem luz, água ou aquecimento, com portas onde está escrito a giz o preço do aluguer, para descobrir um grupo de jovens de Antão, Esposende. Passaram ali a noite de tempestade e vão passar a próxima. Duas vezes por ano, saem de casa e vão dormir ali. Garantem que já viram todo o tipo de tempo na serra desde o calor sufocante à neve que paralisa os dedos e até que já experimentaram pernoitar noutros santuários. "Mas não se sente o mesmo que aqui", diz uma rapariga. Talvez seja do magnésio que se espalha em grandes quantidades pela serra e que, diz António, "faz as pessoas sentirem-se bem, está provado cientificamente".
O segredo
Quando o jipe deixa para trás São João d'Arga o mau tempo torna-se sério. No Centro de Interpretação da Serra d'Arga, o vento quase nos levanta do chão e no interior do edifício, inaugurado em Junho, desce num uivo constante pela chaminé larga. Lá dentro, há amostras dos vários minérios que enriquecem a serra e placards com imagens da fauna e da flora local ainda lá está a fotografia de um lobo à espreita, apesar de há muitos anos nenhum morador das aldeias em redor ter visto algum. Curiosamente, há pouco, no mosteiro, um dos jovens jurou a pés juntos ter visto um há alguns meses, lá para cima, no topo de um monte. António ouviu, com ar levemente desconfiado. "E era mesmo um lobo?". O rapaz garantiu que sim.
De volta ao jipe, com a chuva a castigar os vidros, cruzamos aldeias com pequenos campos de cultivo rodeados por lajes de xisto que fazem a vez de muros. Vemos espigueiros e grandes rochas arredondadas, alisadas pelos séculos, paredes meias com casas que não são mais altas do que elas. Em Agra de Cima arriscamos ficar encharcados dos pés à cabeça para descer uma encosta leve e vermos o Pontão do Lobo.
É uma construção pequena, que facilmente passaria despercebida se não nos chamassem a atenção para ela. Depois de a vermos, não conseguimos tirar os olhos dali. A história que circula pelas terras de Arga é que o pontão (uma minúscula ponte arqueada sob um riacho) foi construída pelos habitantes locais para permitir a passagem do padre que, em tempos que já lá vão, atravessava a serra a pé, para dizer missa nas aldeias próximas. A beleza da pequena estrutura está na sua estranheza. Um conjunto de lajes, unidas num semicírculo quase perfeito e seguras, aparentemente, por nada, senão por elas próprias.
Se o tempo não estivesse tão mau e tão impróprio para andar a pé, António levar-nos-ia aos vestígios do fojo do lobo (antiga armadilha para caçar o animal selvagem), à foz do rio Minho e aos abrigos de pastores. Assim, começamos a descer a serra em direcção ao Lugar de Espantar.
De onde é que vem o nome? "Não faço ideia, só sei que o nome é mesmo assim, Lugar de Espantar", diz dona Aurora, da Casa Caçana. O que ela sabe, e faz mesmo ali à nossa frente, é preparar o "champarrion". A bebida, típica da região, é feita numa tigela grande de barro. Para ali cai o vinho, a cerveja, uma bebida gaseificada doce, o açúcar e a canela. Dona Aurora vai mexendo sempre, misturando sabores sob a espuma acastanhada que se forma por cima. Nas canecas de barro, e acompanhado de pão com queijo, chouriço e presunto caseiros, o "champarrion" faz esquecer o mau tempo que encharca a terra no exterior.