Durante todo o percurso, António aguçara-nos a curiosidade sobre a chegada ao Pincho. Um segredo já muito mal guardado, em plena serra d'Arga, onde o rio Âncora se deixa cair numa cascata sobre uma lagoa sossegada, que se enche de curiosos no Verão. António contara como a cascata se abatia sobre um espelho de água, onde se chega a caminhar, e das pessoas que aproveitam as margens para fazer do local a sua praia. Por isso, quando pára o jipe a alguns metros do Pincho e começa a descer o caminho enlameado, o guia local não está preparado para o que o espera. No Pincho, o sossegado e idílico Pincho, o Âncora inchou com as tempestades dos últimos dias e transformou a lagoa num rio furioso, alimentado pela cascata gorda, de onde a água cai, aos tropeções.
A serra d'Arga transforma-se com a chegada das chuvas. O Pincho é só um exemplo. António Presa, que organiza circuitos pela estrutura rochosa dos concelhos de Caminha, Vila Nova de Cerveira, Viana do Castelo e Ponte de Lima, garante que nunca o vira assim. Tão furioso e veloz. O caminho é cortado pelas águas e não deixa ninguém aproximar-se muito. Para ver a cascata na sua totalidade é preciso arriscar saltar para uma pedra molhada e escorregadia. E, mesmo assim, há um bocadinho da queda de água que fica escondida. A terra absorve a água, regurgitando-a em regatos e riachos que parecem brotar de todos os lados, e os pingos grossos que caem das copas das árvores fazem tremer as folhas dos arbustos rasteiros. Quase se ouve os ritmos que libertam. Toda a serra está assim. Chove há dias seguidos. Chove muito e está vento. O dia podia ser uma desilusão, mas não foi.
Quando saímos de Vila Praia de Âncora já chovia muito. O jipe que António conduz deixa a via rápida e começa a subir a serra. A partir da rotunda que anuncia a localidade de Dem, a estrada transforma-se numa estradinha que vai subindo entre campos em socalcos, de verdes iluminados pela chuva, e gordas pedras de granito. E, claro, a água. Há riachos a cair pelas encostas ou a atravessar os campos. Dentro do jipe, vamos comentando (ingénuos) que o dia não está tão mau como se esperava. Afinal, até não é difícil ver as várias encostas da serra. O mar é que está escondido. Num dia de sol, garante António, a vista é deslumbrante e as cores dos campos tornam-se ainda mais vivas.
O magnésio
Nós gostamos da serra assim, chuvosa e misteriosa. E ainda gostamos mais quando chegamos ao pequeno Santuário de São João d'Arga onde, todos os anos, de 28 para 29 de Agosto, o profano visita o sagrado, sob a forma de milhares de peregrinos que ali passam a noite, num desvario de copos entre as celebrações religiosas. Neste sábado de Outono, o mosteiro sisudo de pedra, cujas origens parecem remontar ao século VII, está liberto dessa azáfama, mas não abandonado. Há uma carrinha estacionada na entrada, e mal entramos no recinto ouvem-se algumas vozes jovens entrecortadas por risos. Nas traseiras do mosteiro, a espreitar, pachorrentos, os visitantes, estão alguns bois autóctones de cornos longos e retorcidos a única fauna que veremos hoje, apesar de, num dia de sol, haver grande possibilidade de encontrar alguns garranos a percorrer a serra.