Fugas - Viagens

  • Na Fugas desta semana, Paulo Curado conta-nos tudo sobre a Praia do Forte, no litoral da Baía, Brasil. Um santuário ecológico que nasceu graças à persistência de um empresário e que se tornou o sonho de muitos turistas. Nesta fotogaleria, Daniel Rocha mostra-nos as forças desta área que tem as tartarugas como símbolo e atracção, até porque, aqui, são protegidas com vigor há mais de 30 anos graças ao Projecto Tamar. |
    Na Fugas desta semana, Paulo Curado conta-nos tudo sobre a Praia do Forte, no litoral da Baía, Brasil. Um santuário ecológico que nasceu graças à persistência de um empresário e que se tornou o sonho de muitos turistas. Nesta fotogaleria, Daniel Rocha mostra-nos as forças desta área que tem as tartarugas como símbolo e atracção, até porque, aqui, são protegidas com vigor há mais de 30 anos graças ao Projecto Tamar. |
  • Aldeia dos Pescadores
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A montanha-russa primeiro, a hipnose depois

Por Paulo Curado

As tartarugas e as baleias jubarte são as grandes estrelas nas águas da Praia do Forte, mas estão longe destes mares no início do Inverno baiano. A Fugas desafiou as condições meteorológicas para conhecer a beleza marinha nestas paragens tropicais

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Até ao recife tudo jóia. Mas com a aproximação à barreira de coral o pequeno bote de borracha, com três passageiros a bordo, encolhia cada vez mais com o agigantar das ondas do outro lado do muro. Chuva, vento e águas agitadas não são, por norma, boa companhia para um mergulho no mar, mas eram estas as condições disponíveis na Praia do Forte, na costa brasileira da Baía na segunda quinzena de Maio. É pegar ou largar. Só após muita insistência e um termo de responsabilidade assinado, é acertada a expedição da Fugas. Ia começar a "montanha-russa".

Terá sido uma decisão acertada? O embate com a primeira vaga, já de dimensão respeitosa, indiciava que não. Ainda balançávamos como uma casca de noz na onda inicial e já a sombra volumosa de uma irmã mais velha crescia à nossa frente. O primeiro instinto foi gritar, mas o orgulho e uma dose considerável de água no rosto manteve a compostura. A coisa foi piorando antes de melhorar. Com algum esforço e grande perícia do timoneiro, fomos contornando os mais medonhos vagalhões, entrando mar adentro. Bem agarrados às cordas da embarcação, dentes cerrados e o credo na boca, acreditámos.

Perto da zona do mergulho, assinalada por uma pequena bóia perdida entre as ondas, parou de chover. Desligou-se o motor, atirou-se a âncora borda fora e começamos a equipar-nos. Submergir parecia o mais indicado face às condições na superfície. As águas quentes tropicais facilitam a indumentária. Um simples body suit de lycra é suficiente para permanecer debaixo de água sem nenhuma sensação de frio e não houve necessidade de capuz, luvas ou botas. Um cinto de lastro com quatro quilos, colete, cilindro de ar, máscara e barbatanas completam a carga. Tudo a postos. Posicionamento na berma do bote e rolamento dorsal para a tradicional entrada em "cambalhota".

As ondas vão provocando desníveis cada vez maiores entre os mergulhadores e o pequeno barco de borracha, onde permaneceu o timoneiro, atento às condições meteorológicas. Chegamos ao local de descida, conhecido como Ponto da Barracuda, onde um cabo sinalizado por uma bóia afunda em diagonal. É altura de abocanhar a fonte de ar, conhecida por "segundo estágio", esvaziar progressivamente o ar dos coletes e começar lentamente a afundar.

Hipnose contemplativa

Frederico, nosso guia de mergulho nesta manhã tempestuosa de Maio, tem 35 anos e nasceu em Buenos Aires, na Argentina. É um autêntico globetrotter do mergulho, tal como muitos outros que transformaram esta actividade apaixonante em profissão. Cansado de uma vida rotineira como técnico de telecomunicações na capital argentina, com escassa oferta em matéria de vida submarina, investiu na formação e certificou-se como instrutor da Associação Profissional de Instrutores de Mergulho (PADI, na sigla em inglês). O mundo passou a ser o seu quintal.

Antes da sedução dos areais brasileiros e do ritmo morno da vida nordestina, experimentou latitudes mais altas e mexidas. Trabalhou em resorts no Belize, Honduras e México e contabilizou centenas de "baptismos" nas Caraíbas. Na paradisíaca ilha mexicana de Cozumel, cercada por águas claras e quentes e procurada por mergulhadores de todo o mundo pela beleza da sua fauna marinha, apaixonou-se pela mulher com quem viria a casar. Uma norte-americana, da Califórnia, também ela, instrutora de mergulho.

O ritmo intenso de trabalho nestas estâncias de turismo de massas acabou por ditar o poiso seguinte. O argentino já havia passado pelo nordeste brasileiro na sua rota setentrional, desde Buenos Aires. Gostou do mar, da terra e das pessoas. Não foi difícil convencer a parceira, que passou a trabalhar em restauração na Praia do Forte. Já o argentino manteve o mergulho como actividade profissional, sendo um dos dois instrutores desta modalidade no Grigo's, um centro de desportos náuticos. "Não queríamos continuar a misturar a vida profissional com a pessoal. Isso não é bom e acabou por ser ela a mudar de ramo."

À frente da Fugas, Frederico, sempre agarrado à corda, conduzia a descida. Esta decorreu devagar e com algumas paragens, para facilitar as necessárias equalizações aos ouvidos, destinadas a aliviar e equilibrar a pressão exercida pela densidade da água. As condições climatéricas na superfície, com chuva, vento e ondulação forte, afectaram compreensivamente a visibilidade, com a presença de muito sedimento. O alcance da vista não ultrapassa os quatro ou cinco metros e piora com a profundidade. Chegamos a uma plataforma perto dos 20 metros e ficamos por aqui. Apesar de curta, a visão em redor é soberba. O ambiente calmo e silencioso contrasta em absoluto com o frenesim dos elementos mais acima. O tempo parece abrandar drasticamente e entramos numa espécie de hipnose contemplativa. Levitamos.

A fauna abunda junto às pequenas concentrações de rocha que compõem o fundo marinho, numa espécie de cordilheira montanhosa em miniatura coberta de esponjas. Cardumes compactos de pequenos peixes coloridos circulam, aparentemente sem direcção, com súbitas e inesperadas mudanças colectivas de rota. Durante um instante, seguimos um grupo, mas logo a nossa atenção muda para outro de diferentes tonalidades, um pouco mais acima, antes de um peixe de maior dimensão se atravessar pachorrentamente no caminho. Ficamos frente-a-frente com um genuíno dentão, cinza-azulado. Não parece temer o mergulhador. Estará habituado a esta "espécie", que passou a ser frequente por estas paragens. Satisfeita a curiosidade, dá unilateralmente por encerrado este encontro e desaparece na penumbra.

Neste entretanto, a Fugas "perdeu" também o seu companheiro de mergulho. As duplas de mergulhadores, mandam as regras de segurança, têm de permanecer sempre juntas e particularmente próximas em condições de visibilidade reduzida. Como estas. Cada parceiro é o pronto-socorro imediato do outro, em caso de potenciais problemas que possam surgir. A regra manda que, em caso de separação e perda de contacto visual, se procure imediatamente o respectivo par, regressando à superfície para um reagrupamento caso não o consigam fazer debaixo de água.

Com este mandamento presente fazemos uma busca em redor, ignorando, por momentos, a fauna e flora envolvente. Perscrutamos todas as direcções, pensamos em desistir e subir, mas, de repente, uma pequena sombra amorfa vai-se materializando no nosso amigo argentino. Trocamos sinais de OK (indicador e polegar unidos em forma de círculo) e prosseguimos o safari marinho, respirando fundo e soltando uma lufada de bolhas de ar ascendentes.

O canto mágico das baleias

Quando se fala em mergulho no Brasil, a Praia do Forte não é exactamente o primeiro topónimo que vem à cabeça. O pódio é liderado pelo arquipélago de Fernando Noronha, mais a norte, conhecido internacionalmente como um dos mais belos parques marinhos da América do Sul e um dos melhores locais mundiais para a prática de mergulho. Abrolhos, no extremo sul da Baía; Angra dos Reis, Cabo Frio, Búzios ou Arraial do Cabo são outros pontos muito procurados por mergulhadores de todo o mundo.

Mas a Praia do Forte tem características especiais que a tornam também atraente para esta prática, especialmente para quem se queira estrear em aventuras subaquáticas. "A possibilidade de mergulhos pouco profundos, a água quente (onde a temperatura nunca desce abaixo dos 24 graus, mas pode facilmente chegar aos 29 e 30 no Verão) e a não existência de uma fauna perigosa tornam este local atraente para os iniciados", explicou Wesley, paulista, de 35 anos, e um dos instrutores de surf e vela no Gringo's, mas igualmente entusiasta do mergulho.

O melhor período para a prática de mergulho na Baía ocorre entre 15 de Outubro e o início de Maio, quando as condições climatéricas são as ideais, possibilitando uma grande visibilidade subaquática, que chega a ultrapassar os 30 metros. Diminui drasticamente no período das chuvas, nomeadamente a partir da segunda quinzena de Maio e até ao final de Julho.

É precisamente no final desta "época baixa" do mergulho baiano que surge ao largo da Praia do Forte uma das grandes atracções destas águas: a baleia jubarte, também conhecida por baleia corcunda. Estes gigantes dos oceanos vêm acasalar e alimentar os filhotes neste mar quente, provenientes da gélida Antárctica, numa longa viagem de cinco mil quilómetros. Podem ser avistadas da costa, a olho nu, mas também ser seguidas bem de perto, a bordo de uma pequena lancha rápida. "Esta espécie de baleia é bastante sociável e aceita pacificamente uma presença humana tão próxima", comentou Wesley, que já recebeu no seu centro náutico inúmeros pedidos para organizar mergulhos recreativos junto a estes animais.

Uma possibilidade que passou a ser proibida pelas autoridades brasileiras, por razões de segurança. Actualmente, estão apenas autorizados mergulhos científicos, conduzidos por biólogos marítimos, devidamente autorizados e preparados, que têm por objectivo estudar esta espécie ameaçada. Ao mergulhador recreativo resta a (inesquecível) experiência de, pelo menos, ouvir o canto mágico destes mamíferos durante uma submersão.

"Estava a mergulhar em Outubro do ano passado com um amigo e, de repente, ouvimos as baleias tão claramente. Foi incrível, um momento de magia fantástico. O som parecia vir de todos os lados", lembrou Frederico.

Nesta manhã chuvosa de Maio, algumas baleias poderão já ter iniciado a longa excursão para a Baía, mas estão ainda muito distantes da Praia do Forte, para lamento da Fugas. Sem fauna grossa à vista no Ponto da Barracuda, contentamo-nos com os mais pequenos indígenas, como o guaricema (que também responde ao nome de xaréu) ou o peixe papagaio. Os animais de maior porte estão, normalmente, a profundidades superiores, longe das armadilhas dos pescadores.

Um dos sítios privilegiados para mergulhar e avistar alguma fauna graúda é o chamado Ponto da Falha, destinado a praticantes mais experientes e outras condições meteorológicas, já que implica profundidades superiores. Neste local, a 35 minutos da costa em lancha rápida, são possíveis os avistamentos de raias, mantas, grandes meros e barracudas gigantes, para além de tubarões (avistamentos raros e que nunca resultaram em ataques) e. tartarugas. Esta última é, sem dúvida, a grande estrela da vida animal por estas paragens, superando até a baleia jubarte.

Entre os meses de Setembro e Março, cinco espécies diferentes de tartarugas marinhas acorrem a uma faixa de 1,1 mil quilómetros de costa brasileira para desovar, numa geografia precisa que inclui a Praia do Forte. Procuram os areais onde nasceram, num dos mais misteriosos movimentos migratórios da vida animal.

Para proteger e estudar estes simpáticos e longevos repteis, foi criado no Brasil, em 1980, o Projecto Tamar ("Ta" de tartaruga; "Mar" de marinha), que tem importantes centros na Baía e na Praia do Forte, envolvendo de forma estreita e intensa a comunidade local. A tartaruga é o grande símbolo da região e está presente em todo o lado.

Embora naveguem muitas vezes em águas demasiado profundas para evitarem predadores, as tartarugas surpreendem muitas vezes os mergulhadores com um feliz e inesquecível encontro. São imprevisíveis alguns mergulhos na costa baiana. Mas não o da Fugas, que decorreu fora de época ao nível das principais atracções marinha. Mesmo assim não desistimos de semicerrar os olhos e procurar em redor, na esperança de encontrar algum peixe mais estranho. Recordamos, por esta altura, uma conversa com uma bióloga marinha, que nos informou sobre um cálculo curioso da comunidade científica: estimam que a costa brasileira abrigue, pelo menos, 150 espécies de peixes ainda desconhecidos.

Setembro de 2009 comprovou, parcialmente, esta teoria, quando foi descoberto um destes seres misteriosos e esquivos, deixando toda a gente boquiaberta. O estranho achado foi reivindicado por uma equipa de técnicos do Projecto Tamar. Enquanto testavam modelos de anzóis circulares, que evitam ferimentos em tartarugas marinhas, depararam-se com uma estranha presa que subia moribunda à superfície, agarrada a um deles. Um dos biólogos equipou-se e mergulhou para avistar melhor o animal. O que testemunhou nunca fora descrito em nenhum tratado da vida marinha. Parecia um animal pré-histórico. Tinha o tamanho de um homem adulto alto, com cerca de 1,80 metros, e pesava aproximadamente 40 quilos. Não tinha pele, nem escamas. Era formado por uma espécie de massa gelatinosa, de uma extremidade à outra. Os olhos eram pequenos, a boca grande e os dentes quase invisíveis. Calcula-se que vivesse a cerca de mil metros de profundidade. Faz agora parte do Museu de Zoologia da Universidade Federal da Baía, em Salvador.

No Ponto da Barracuda, o manómetro indica que o ar do cilindro pendurado nas costas está a chegar ao fim. Para a FUGAS e seu guia é tempo de regressar à superfície. Navegamos até ao cabo de localização e iniciamos uma escalada lenta. Perto do final, fazemos uma paragem de segurança (para evitar efeitos nefastos da descompressão) antes de percorrer os derradeiros cinco metros. A superfície já é bem visível por cima das nossas cabeças. Ainda há tempo para uma última olhadela a este mundo aquático, mas finalmente a cabeça emerge.

Houve muitas mudanças aqui em cima durante a nossa ausência. O vento amainou, a ondulação diminuiu e o sol brilha agora. Ao longe pode ver-se o lindo desenho da costa e sua generosa vegetação. "Tem vários lugares bonitos para fazer mergulho no mundo, mas muito poucos com a energia da Baía", garante-nos, ao nosso lado, Frederico.

Grigos Ecoturismo
Localização: Tivoli Ecoresort Praia do Forte; Vila Galé Marés; Iberostar; Costa Sauípe; Instalações Projecto Tamar na Praia do Forte
Contactos: 0055 7187292010; 00557187290900; 005587290700

Como ir

A TAP voa de Lisboa para Salvador com preços que rondam os 970 euros.

Onde ficar

Tivoli Ecoresort  Praia do Forte
Av. do Farol Praia do Forte -Mata de São João
CEP-48280-000 Baía -Brasil
Tel.: 00557136764000
Fax: 00557136761112
E-mail: reservas.htpf@tivolihotels.com
www.tivolihotels.com
Preços: 2800€ em quarto duplo, estadia de sete noites.

A Fugas viajou a convite dos Hotéis Tivoli

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