A consequência de tais atitudes é que hoje, quando olhamos para a maioria dos contra-rótulos dos vinhos nacionais, acabamos por descobrir as mesmas castas por entre os actores principais e secundários de cada região, firmando o lote favorito de cada denominação. Se no Douro raramente nos conseguimos esquivar ao duo Touriga Nacional/ Touriga Franca, por regra temperado com um cheirinho de Tinta Roriz, no Alentejo iremos certamente embater em tintos acariciados pelo duo Alicante Bouschet/Aragonês, aqui e ali adubados pela presença da Trincadeira. No universo dos vinhos brancos, raramente conseguimos evitar o casamento entre Arinto e Antão Vaz no Alentejo, e Rabigato, Viosinho e Códega no Douro.
Não há nada de errado nestas variedades, todas elas brilhantes na sua especifi cidade, nem sombra de pecado por parte dos produtores em cingir-se a estas poucas castas. Pois se pouco se fala das restantes castas nacionais, pouco ou nada se investiga com resultados palpáveis para a produção, pouco se divulga e pouco se promove, não será de esperar que sejam os produtores a empenhar o seu capital financeiro numa aventura de que não se conhece o retorno.
É que plantar uma vinha, esperar três anos até que ela esteja apta a produzir, com os custos inerentes ao empate de capital e aos custos do tratamento da vinha, realizar ensaios com microvinificações para aferir do potencial de cada variedade em diferentes solos, climas, conduções, podas e mais um número quase infindável de outras variáveis é algo que não se pode reclamar de um produtor, estejamos nós em tempo de crise ou em tempo de vacas gordas.
O que não impede que alguns produtores visionários, com uma dose de teimosia e empenho pessoal dignos de aplauso, não sigam, por sua conta e risco, um trabalho notável de estudo e diversificação, resgatando do esquecimento algumas das castas mais obscuras do nosso imenso património genético.
Entre muitos outros, gostaria de salientar o trabalho de João Nicolau de Almeida, na Ramos Pinto, um dos progenitores do maior estudo sobre as castas durienses, patrono da selecção das cinco grandes castas do Douro (Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinto Cão e Tinta Barroca) que, longe de se sentar na tranquilidade de um trabalho feito, continua com o seu espírito inquieto a investigar castas antigas que o tempo fez esquecer. Entre as suas novas preferidas contam-se a Tinta Barca, nos vinhos tintos, e a Folgosão, nos vinhos brancos, a famosa Terrantez da ilha da Madeira, que encontrou um refúgio seguro nas terras mais quentes do Douro Superior.
Um trabalho feito em surdina, sem necessidade de ruído mediático, sem alaridos mas também sem segredos, que faz mais pelo futuro e pela sustentabilidade do vinho nacional que muitas campanhas públicas e muitos estudos universitários rebuscados, sem aplicação na vida real. Assim existissem muitos mais João Nicolau de Almeida!