O rosário já vem de longe e o diagnóstico há muito que está traçado: somos um povo tristonho e melancólico que sofre de uma tremenda falta de auto-estima que nos afunda numa espiral de depressão colectiva. Somos pessimistas, não acreditamos nas nossas virtudes e valorizamos de forma despropositada tudo o que chega de fora. Porém, apesar do muro permanente de lamúrias a que nos entregamos com diligência, ainda nos conseguimos animar com algumas das nossas proezas, entusiasmando-nos com algumas das particularidades que nos singularizam neste planeta tão globalizado. Entre os poucos assuntos que nos despertam um sentimento pátrio, desembainhando sem temor a bandeira do orgulho nacional, encontram-se os produtos agrícolas de forma genérica, capítulo que valorizamos até à hipérbole, louvando tudo o que é nacional, desdenhando com voz grossa a fruta e as batatas que nos chegam de fora, ou virando a cara ao vinho que chega de outras paragens.
E se há posição onde nos sentimos especialmente privilegiados é no número de castas nacionais, um número quase infinito de variedades autóctones que não existem em nenhum outro país ou região. Fomos abençoados pela natureza com um leque impressionante de castas originais, numa colecção ampelográfica descomunal que, apesar da reduzida dimensão do país, é considerada como a segunda mais rica do mundo, logo a seguir à fartura italiana.
Orgulhamo-nos justamente deste património riquíssimo, único no mundo, mas depois... Depois esquecemo-nos, infelizmente, de concretizar as boas intenções demonstradas pelas palavras bonitas, estreitando o vasto património de Portugal a um pequeno punhado de castas, que em cada vindima que sucede se afunila mais, deixando de lado a imensa maioria das variedades portuguesas, condenandoas a uma pena de extinção prematura, ostracizando-as de tal forma que em pouco tempo o empobrecimento genético das vinhas será um dado adquirido, cerceando a originalidade dos vinhos portugueses, sujeitando-os a uma decadência qualitativa quase inevitável. Gostamos de falar, de exibir a nossa riqueza natural, mas pouco ou nada fazemos para preservar aquilo que a natureza nos entregou de mão beijada.
Como é estranho ver desaparecer séculos de evolução natural e de adaptação da vinha aos diferentes solos e climas no espaço de uma geração, incapaz de compreender o potencial escondido de tantas variedades nacionais. Como é estranho ver as universidades tão alheadas deste desígnio nacional, sobretudo as ligadas umbilicalmente ao sector do vinho, sem vontade de investigar, sem querença para se ligar aos problemas reais da produção, sem determinação e coragem para ultrapassar as barreiras artificiais entre a vida académica e a vida efectiva e concreta da produção.
Quantos trabalhos de investigação se encontram perdidos nos arquivos cerrados das universidades e institutos públicos, tão longe da produção, sem qualquer repercussão na vida económica dos produtores... e de Portugal? Quantos trabalhos de investigação sobre as variedades nacionais tiveram em conta o vinho, a produção, preocupando-se em criar modelos que ajudem os viticultores a descobrir quais as melhores castas para cada região, para cada solo, para cada condução, para cada clima, deixando de lado o simples prazer académico da investigação pura?