Fugas - Vinhos

  • Dirk Niepoort (esq) e João Carlos Paes Mendonça
    Dirk Niepoort (esq) e João Carlos Paes Mendonça Fernando Veludo/nFactos
  • Paulo Pimenta

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Brasil-Portugal no Douro

Mandar refazer a casa, erguer novos muros, refazer a estrada ou plantar aciprestes não era para o empresário uma dificuldade de maior. Fazer vinho de classe, era. Se tivesse comprado um shopping no Douro, “teria ido à procura de Belmiro de Azevedo ou de Alexandre Soares dos Santos”, como se tratava de uma quinta, sentiu-se impelido a ir ao encontro de Dirk Niepoort. Na carteira levava-lhe um projecto. A quinta seria rebaptizada com o nome de Maria Izabel (“com ‘z’, que tem mais impacte”), a parte da viticultura seria entregue à supervisão do consagrado Nuno Magalhães, Gabriela Canossa seria a enóloga residente e Dirk tinha mãos livres para desenvolver ali um projecto de autor. Dirk confessa que chegou a pensar que fazer um vinho para um patrão, pensado para o “mercado” (um palavrão que Dirk detesta) talvez lhe fizesse bem. Gabriela Canossa lembra-se desses primeiros contactos e de lhe dizer: “Vais fazer o que te apetecer”.

Nesta atitude de Paes Mendonça há algo de estranho e inusitado. Não sendo ele um homem do vinho mas um empresário que aposta no vinho por impulso, seria de esperar que fosse à procura de um enólogo consensual, que fizesse vinhos bons mas padronizados, redondos e conformados. Dirk é o oposto desse registo. Para ele, o vinho é uma interpretação pessoal de um lugar (um terroir) que tem como suportes a frescura, a elegância e a aptidão para a mesa. “Nunca fiz nada para ninguém (para o mercado, para os portugueses, os brasileiros ou os asiáticos). Fazemos o que fazemos o melhor possível e depois explicamos isso às pessoas”, nota Dirk. Curiosamente, era esse lado distintivo, quase rebelde, que Pais Mendonça mais procuarava. “O Dirk faz coisas diferenciadas e eu acho que o vinho tem de ter a cara do pai”, justifica.

Havia, assim, sintonia de princípios, mas o empresário e o enólogo precisavam de acertar detalhes da sua relação. Dirk é um enólogo de agenda cheia – para lá de fazer os vinhos da sua casa e de os vender em intermináveis viagens mundo fora, dedicou-se nos últimos anos a explorar o potencial da Bairrada e do Dão. Para aceitar o repto precisava da cumplicidade de Gabriela Canossa e de empatia com Paes Mendonça. “Fui ter com ele ao Recife, passei com ele uns dias e fiquei a gostar dele”, conta Dirk. Porquê? “Ele é um grande psicólogo, sabe como chegar ao sucesso pela sensibilidade, respeito e abertura para com as pessoas à sua volta”, nota o enólogo. Pais Mendonça olha embevecido para Dirk, passa-lhe a mão no braço e fica-se facilmente a perceber que entre o empresário tradicional e o enólogo vagamente libertário há de facto sintonia.

Começa então o trabalho conjunto. Dirk não participa na primeira vindima, a de 2012, embora tenha sido o responsável pelos lotes finais do tinto que está prestes a chegar ao mercado. Como é dono de uma quinta que não fica longe dali, a Quinta de Nápoles, sabe quais são as vantagens de dispor de vinhas voltadas para Norte, que conseguem resguardar-se mais da inclemência do sol no Douro e produzir vinhos mais finos e elegantes. Nos trabalhos de replantação das vinhas que entretanto foram feitos, Gabriela Canossa pôde dar lastro ao projecto diferenciador que Paes Mendonça criou e em vez da trilogia habitual das castas durienses (Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz) plantou na propriedade 16 variedades diferentes, algumas das quais quase esquecidas no Douro moderno, como a Touriga Fêmea.

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