A que região se associa Nuno Cancela de Abreu? A Bucelas? Na verdade, foi ele o obreiro da “nova” Quinta da Romeira, onde, entre 1987 e 2001, teve que fazer tudo de novo, a começar por uma selecção clonal da casta Arinto e posterior plantação de uma vinha com 80 hectares. O Arinto ganhou fama em Bucelas, “mas ninguém sabia bem o que era. Não havia um vinho só desta casta. Misturavam Arinto com Esgana Cão e Rabo de Ovelha”, lembra. Depois de seleccionados os melhores clones e de ter avançado com vinificações diferenciadas, criou o Prova Régia, feito só com Arinto e em inox, e a seguir o Morgado de Sta.Catarina, também estreme mas com estágio em barrica. E a partir daí o Arinto expandiu-se um pouco por todo o país como casta melhoradora, pela sua fantástica acidez e grande expressão mineral.
Nuno Cancela de Abreu também passou pelo Tejo. Entre 2001 e 2010, como gerente e enólogo, mudou de cima abaixo a Quinta da Alorna, reestruturando tudo, desde a vinha ao estilo de vinho, passando pela imagem e comercialização. Hoje, a Alorna é um dos principais players daquela região.
Dez anos antes, também já tinha iniciado, um pouco em part-time, o seu próprio projecto no Dão, retomando o legado da família e lançando o primeiro Quinta da Fonte do Ouro, em Nelas. O projecto ficou em banho-maria durante quase duas décadas. “Só me dedicava a ele aos fins-de-semana e à noite e, a certa altura, ou desistia ou assumia o pojecto a tempo inteiro. Em, 2010 decidi vir de vez para o Dão”, conta. Abandonou Alorna e só ficou como consultor de uma empresa em Setúbal e do vinho Pera Grave, junto a Évora.
Mas antes de tudo passou pelo Douro, num momento decisivo da história recente desta região. Depois de ter estudado enologia no Instituto Superior de Agronomia e de ter feito uma pós-graduação em viticultura e enologia na Universidade de Montepellier, em França, Nunco Cancela de Abreu foi convidado em 1981 para ajudar a criar e a coordenar a Associação de Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID), uma associação pioneira de investigação que influenciou tecnicamente os novos projectos de produção de vinhos do Douro e Porto.
Nessa, altura, o Banco Mundial concedeu um empréstimo de 90 milhões de contos para a aplicação do Plano de Desenvovimento Rural Integrado de Trás-os-Montes (PDRITM), que levou à plantação de 2500 hectares de novas vinhas e à reconversão de 300 hectares de vinhas velhas já existentes. Desde então, o Douro nunca mais foi o mesmo e um investimento que tinha sido pensado para o vinho do Porto acabou por ser o embrião dos novos vinhos tranquilos do Douro. “Foi uma época fantástica. Trabalhei muito com o senhor José António Rosas, o meu grande mestre”, recorda.
José António Rosas foi o grande obreiro do novo Douro. No início da década de 70 do século passado, quando era administrador da Ramos Pinto e depois de ter estudado o Douro a fundo com recurso a cartas militares, descobriu e adquiriu a enorme Quinta de Santa Maria, rebaptizada como Ervamoira, onde, com a ajuda do sobrinho, João Nicolau de Almeida, ergueu a quinta-modelo do Douro, a primeira a ser plantada ao alto e por talhões. Mas, antes, os dois estudaram e seleccionaram as cinco melhores castas da região: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinto Cão e Barroca. As conclusões deste estudo foram apresentadas pela primeira vez na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) em 1981 e, apesar de não terem sido consensuais, acabaram por ter o acordo do Banco Mundial.