Fugas - hotéis

Enric Vives-Rubio

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Vida de salão

Inaugurado em 2007, foi construído na antiga propriedade da importante e influente família Pinto Bastos, a Villa D'Este, que foi a casa de um rei sem reino durante onze anos, até que um grupo de fiéis monárquicos financiou a ampliação do terreno e o rei passou para uma outra casa, a sua residência definitiva, onde ficou mais 25 anos. O hotel, hoje, faz a ligação entre a Villa D'Este e a Villa Itália, construído com mármores arrancadas do próprio chão onde hoje tem as bases. E a sua dimensão, labiríntica e deslizante, leva-nos a imaginar o que terá sido viver ali.

O sol que se escondeu lá fora convida a que nos demoremos nos detalhes da decoração simétrica, mesmo que a música que percorre os corredores perturbe os sentidos (desde quando é que deixámos de poder viver sem música?). Cadeirões de pele, tapetes extensos, sofás e solitários diferenciados que convidam a demoradas leituras, janelas abertas que deixam ver o céu reflectido no mármore escuro, decorações distintas nos vários pisos, quartos espaçosos mobilados sem atropelo, e outros mais pequenos elegantemente mantidos numa traça que evoca as noites de Humberto, guiadas por frases de poetas portugueses, harmonizam-se com elegância, num jogo complexo que gere bem a dimensão dos espaços. E, assim, perdidos nos corredores, imaginamos as festas organizadas para animar um rei deposto, numa Cascais que se escondia da realidade nacional em quintas particulares, jogos no Casino ou banhos de mar ao entardecer naquela que era tida como a "Riviera portuguesa".

Percorremos os corredores de decoração simétrica, subimos as escadas que a cada patamar mostram quadros da Escola Portuguesa, espreitamos para ver se o céu encoberto já permite mergulhar na piscina, e é como se atrás de nós o toque de um copo de cristal noutro, ou uma gargalhada depressa abafada, como se se tivesse contado um segredo de Estado, se espalhasse pelas diversas divisões forradas a papel de parede escuro, por debaixo das mesas de madeira, ao longo dos corredores dos quartos, acima dos candeeiros elegantes, e seguisse rasteiro, junto aos tapetes, se fixasse nas paredes como as frases que aparecem inscritas nas suites privadas. Tentamos perceber se aqueles desenhos que parecem portas falsas não escondem, de facto, caminhos secretos, entradas por saídas, com ligação directa aos quartos, aos pecado e ao crime.

Oh, mas porquê ser-se moralista e fingir-se que também nós recusaríamos escapar-nos para dentro do primeiro quarto que aparecesse e, com a desculpa de que são tantos, seduzirmos quem lá dentro se encontrava, como se fosse a primeira vez. Outra vez...

Imaginamos o que dentro deles se terá passado, espaçosos como são, decorados a gosto, elegantes, numa mistura de sala de conforto que nunca esclarece se estamos para ficar ou já de partida. Imaginamos os dramas de senhoras que esperavam em vão por notícias e, em noites de lua encoberta ameaçavam atirar-se à Boca do Inferno, logo ali ao lado. Ou poetas loucos, bêbados de juventude, a prometerem seguir as damas que se deixavam seduzir por eles por entre as aborrecidas negociatas que os maridos faziam nos salões. E, também eles apaixonados, corriam para a Boca do Inferno onde encontravam essas rapariguinhas de folhos e pele transparente. E, num último sopro heróico, resgatavam-nas de uma tragédia menor do que um amor não correspondido.

Nome
Grande Real Villa Itália Hotel & SPA
Local
Cascais, Cascais, Rua Frei Nicolau de Oliveira, 100
Telefone
210966000
Website
http://www.hoteisreal.com
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