Tenhamos consciência ou não do facto, a realidade demonstra que somos um povo diferente, distinto nos hábitos, nas práticas e nas tradições, condicionado por séculos de isolamento face à ameaça latente que sempre pensámos poder um dia implodir de Castela.
Isolamento mais tarde potenciado pelo isolamento auto-imposto pelas prédicas e práticas do Estado Novo. Uma solidão que, apesar de esbatida por quase quatro décadas de integração europeia, se reflecte ainda em tantas das maneiras de ser portuguesa.
E se o aforismo é válido para a sociedade portuguesa como um todo, ele transforma-se num axioma ainda mais sólido quando o transpomos para o universo do vinho, espaço onde a individualidade e originalidade lusitanas são ainda mais explícitas. De tão habituados à nossa realidade, por vezes temos tendência para esquecer como somos diferentes do resto do mundo, apostando em práticas que nenhum outro país ou região sustentam de forma sistemática, sustentando práticas como a utilização de talhas de barro para a fermentação, prática milenar introduzida na Península Ibérica durante a ocupação romana e que continua a ser aplicada no Alentejo mantendo uma tradição que se perdeu em quase todo o mundo. e que hoje começa a renascer timidamente pela Europa fora com o advento das práticas sustentáveis da agricultura biodinâmica.
E o que dizer da perpetuação da tradição dos lagares e da pisa a pé, processo há muito desamparado no resto da Europa e do mundo, teimosamente conservado em Portugal? Ou da filosofia inerente às vinhas velhas de castas misturadas, tão comuns no Douro, consideradas como um verdadeiro anacronismo pelo resto do mundo que se entretém a dividir as castas por talhões separados, sem a alegre promiscuidade a que as castas são coagidas em Portugal. Vinhas misturadas que são mantidas com carinho num Portugal que tem tudo para se afirmar pela diferença. Mas é na riqueza das castas indígenas portuguesas, que caracterizam um património genético único no mundo, que assenta a maior das originalidades nacionais, no uso de variedades que nenhum outro país aproveita ou promove. Castas singulares que concretizam aquela que é a derradeira grande originalidade lusitana, a arte do lote, a arte de juntar diversas castas num só vinho, de associar múltiplas variedades procurando que o todo seja maior que a soma individual dos atributos de cada casta. Uma arte que, não sendo única no mundo do vinho, longe disso, é levada ao extremo em Portugal, conduzida com a mestria e sapiência de uma tradição que desde cedo entendeu o lote como sinal revelador do talento do enólogo para fazer vinho.
Por razões diversas, por condicionantes históricas e por questões de oportunidade, foi na região do Douro, do Vinho do Porto, que o conceito se afirmou de forma mais lógica e categórica, chegando mesmo ao ponto de regulamentar e obrigar o Vinho do Porto à obrigação do lote, impondo o condicionamento legal de ter de associar mais de uma casta na elaboração do vinho generoso.