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Noma, o tenrinho derrubou o mestre (por David L. Ramos em 2010)

Por David Lopes Ramos

Durante cinco anos consecutivos, o El Bulli, de Ferran Adrià, em Cala Montjoi (Gerona, Espanha), liderou a lista "S. Pellegrino dos 50 melhores restaurantes do mundo", da revista britânica Restaurant. Agora, o Noma, de René Redzepi, em Copenhaga (Dinamarca), destronou-o. Um artigo de 2010 que agora, que o Noma bisa o título de melhor restaurante do mundo, recuperamos:

Noma ganha "óscar" de melhor restaurante do mundo (outra vez) seguido de dois espanhóis (Abril de 2011)

Noma, as ementas e as reservas
(Abril de 2011)

Este é o Noma, o melhor restaurante do mundo
, por Duarte Calvão (Outubro de 2010)

Cozinha local para cidadãos globais
(Abril 2010)


O acontecimento, pesem embora os contestados e polémicos critérios de constituição do júri responsável pela escolha e a sua representatividade, tem inegável repercussão mediática, sendo, por isso, impossível ignorá-lo. Apesar disso, não é de mais sublinhar que se trata apenas e só da escolha "dos melhores", segundo os critérios do júri que a fez, o qual é constituído por 806 pessoas - "proeminentes escritores de comida ("food writers"), críticos, editores e comentadores, donos de restaurantes, chefes de cozinha, representando cada um uma diferente região global, presidindo a um painel de votantes cuidadosamente seleccionado para a região em causa", nas palavras da revista. Actualmente, o mundo gastronómico está dividido em 23 regiões.

Esta estratégia global afasta a Restaurant, revista fundada apenas em 2002, do centenário Guia Michelin, que analisa e classifica a realidade gastronómica país a país, tendo revelado dificuldade em abandonar, durante muito tempo, uma visão eurocentrista. Só recentemente o Michelin se voltou para outras regiões, tendo descoberto o Japão, cuja capital, Tóquio, tem neste momento mais restaurantes com estrelas do que Paris.

Não deixa de ser curioso, a propósito, anotar que, entre os 50 melhores deste ano da Restaurant, só haja lugar para duas casas de comer de Tóquio... Mas, como se diz que a revista britânica foi fundada para colocar na liderança as cozinhas anglo-saxónicas e combater a hegemonia do Guia Michelin, tudo fica mais claro. Embora as classificações do guia francês sejam igualmente polémicas e questionáveis, a forma como são apuradas é mais transparente. Há um corpo profissional de inspectores que visitam os restaurantes sob anonimato. Pagam as suas contas e fazem relatórios de cada visita.

No caso da Restaurant, segundo a revista, "não há lista de nomeados; cada membro do painel internacional de votantes faz uma escolha pessoal de cinco restaurantes". Mais: "Podem votar num máximo de dois restaurantes da sua região, os restantes votos são atribuídos fora dela. Ninguém está autorizado a votar no seu próprio restaurante e os votantes devem ter comido nos restaurantes que escolhem nos últimos 18 meses." A expressão "devem ter comido" deve ser lida como uma obrigação ou como mera possibilidade?

Espanhóis em transe

O afastamento de Adrià, 47 anos, do pódio deixou os espanhóis em estado de choque, sendo detectáveis duas atitudes principais.

Há aqueles que, como o diário El Mundo, se enredam numa retorcida teoria da conspiração, segundo a qual os jurados franceses e italianos, aproveitando-se da contestação interna às posições culinárias vanguardistas do mago de El Bulli e seus seguidores, se uniram para os derrubar, escolhendo alguém, no caso René Redzepi, de 33 anos, profissionalmente ainda muito tenrinho - Redzepi abriu o Noma só há sete anos e, dizem, não parece ter génio criativo e capacidade de trabalho que sustentem o galardão de "melhor cozinheiro do mundo". Como a escolha de um francês ou de um italiano seria demasiado óbvia, avançou-se para o "neutral" dinamarquês, ultimamente muito falado pela sua ousadia de uma cozinha elaborada apenas com produtos regionais, com destaque para os vegetais, raízes, frutos e ervas dos bosques, tornados gastronomicamente sedutores com recurso às mais modernas técnicas adrianianas.

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