Ainda não fez meio ano desde que Miguel Pires se mudou para o Príncipe Real. Mas esta seria sempre uma zona de que seria impossível fugir, tal a quantidade de restaurantes e lojas que foram abrindo nos últimos anos. Por isso, desafiámos o autor de Lisboa à Mesa, Guia onde comer, onde comprar (Planeta), para uma visita guiada ao seu novo bairro.
Na sua outra vida, Miguel Pires foi publicitário. Agora, aos 47 anos, é crítico de gastronomia das revistas Up (TAP), e Wine – Essência do Vinho, colaborador do PÚBLICO, também co-autor do blogue Mesa Marcada, e um instagramer com mais de 8800 seguidores. Gosta de comer, gosta de cozinhar, gosta de comprar. Assim como outros são viciados em sapatos, ele é viciado em raridades gastronómicas. Mas também tem horror ao desperdício. Pode ficar uma semana a despejar o frigorífico.
Encontrámo-nos de manhã, junto ao mercado biológico que todos os sábados se instala na praça, já cheia de turistas e lisboetas a deambular ou a tomar o pequeno-almoço nas esplanadas. Chega com Luciana Rodrigues, a sua “cara metade”, como escreve no guia, cuja “perseverança acutilante” e curiosidade estrangeira (é brasileira) contribuiu para que se decidisse a actualizar o trabalho que tinha começado em 2011, quando lançou o primeiro Lisboa à Mesa. Por coincidência, também nessa altura tinha acabado de mudar de bairro, e instalara-se perto da Praça de Espanha.
“A ideia é descobrir pequenos lugares que mesmo que não sejam fantásticos são importantes para que as pessoas, quando mudam de casa, possam saber onde comprar o frango assado, ou a que mercearia ir — às vezes parecem todas iguais, mas será que não há uma menos igual do que as outras?”, explica. E, assim, Miguel Pires foi à procura “dos sítios que os locais frequentam e que não vêm nos roteiros”.
O mesmo princípio transitou para o novo livro, que em vez das 280 entradas do anterior conta agora com 350. Este é um trabalho de Penélope, de tirar e acrescentar dicas de lojas e tascas que abrem e fecham; não pode haver má consciência, porque nunca daria para incluir tudo. A avaliação vai de 3, “os mínimos olímpicos”, a 5, “ouro”.
Voltemos então ao Príncipe Real. “Como nos melhores mercados, há sempre algo diferente ou especial aqui ou ali, pelo que uma volta de reconhecimento antes de comprar é sempre a melhor estratégia”, escreveu. Mas não foi isso que fizemos. Fomos direitos à banca da Quinta do Poial, a única com direito a uma entrada independente no guia. “Todas as semanas encomendo um cabaz, que venho buscar sem saber o que é. Deixo à liberdade deles colocarem o que quiserem. E como o cabaz não é muito grande, complemento com outras coisas.”
Uma das opções está mesmo à nossa frente. “É agora a couve da moda, a Kale. É um superproduto.” O que faria para o almoço com o que temos à frente? “Agarrava naquelas courgetes pequeninas [que parecem empadas de galinha, diz o vendedor], nestas cenourinhas mini, nuns alhos e spring onions se houver.” Depois, era “saltear ligeiramente os legumes” e quase estufá-los, “com um bocadinho de água no fundo”. Também poderia acompanhar com a batata ratte que aqui está em pequenos sacos de papel castanho. “É uma batata fantástica. Gosto dela sobretudo para puré. É o Rolls-Royce das batatas. Quase não precisam de gordura, são elásticas, são as rainhas do glúten.” Para completar a ementa, “poderia ir à praça comprar o peixe”. “É o que faço muitas vezes: acabo de fazer as compras aqui e vou ao Saldanha, ao Mercado 31 de Janeiro, à Açucena [Veloso].”