Se fosse um hotel, seria classificado como de seis estrelas; como é um barco, chamar-lhe um simples navio de cruzeiro é redutor em demasia. Num mundo globalizado, onde as distâncias se esbatem a cada segundo e o conceito low-cost ganha cada vez mais força, ainda há quem procure fazer a diferença.
A Silversea é um desses exemplos. Galardoada, ano após ano, com os mais prestigiados prémios na categoria de “Melhor Companhia de Cruzeiros de Luxo”, a empresa italiana aposta todas as suas fichas na “intimidade a bordo, na hospitalidade genuína e no serviço personalizado”. Aceitámos, por isso, o desafio de subir a bordo do Silver Spirit, o maior e mais recente barco da companhia, para tentar perceber qual é, afinal, o valor do luxo.
Quando o tema “cruzeiro” vem à conversa a propósito de intenções de viagem, os estereótipos que nos surgem assemelham-se a cromos repetidos — o conceito já está gasto e banalizado. Tirando algumas (muito poucas) excepções, embarcar numa aventura a bordo de um barco repleto de turistas pouco difere de optar por umresort à beira-mar plantado. Por muito bonita que seja a praia ao nosso dispor, tudo aí cheira a rotina e, ao fim de meia dúzia de horas, já tratamos o vizinho do lado por “tu”.
Ao confrontar-me pela primeira vez com o Silver Spirit, mantive esses preconceitos. Visto de fora, o monstro de 36 toneladas em pouco difere de qualquer outro navio de cruzeiro. Pequenos detalhes, contudo, saltam imediatamente à vista: as claustrofóbicas janelas dos quartos, tão comuns neste tipo de navios, são praticamente inexistentes e o costado do Silver Spirit está repleto de vistosas e espaçosas varandas. É aqui que a Silversea começa a fazer a diferença: 95% das suas 270 suites, com uma capacidade máxima de 540 passageiros, têm varanda privada.
Se por fora o navio não marca grandes pontos a seu favor, já quando cumprimos as habituais formalidades de embarque e nos dirigimos para o seu interior rapidamente percebemos que, por trás da sua carapaça, o Silver Spirit esconde um mundo de requinte e elegância. Com um flute de champanhe na mão, cortesia de boas-vindas de um dos 376 tripulantes do navio, entramos no deck 3 e logo percebemos que nada foi descurado na sua decoração, inspirada no estilo Art Déco dos anos 1930. Mas a melhor surpresa ainda estava para vir. Após subir ao deck 9, sou cumprimentado por Naru Chand, um indiano com cara de miúdo que me recebe de sorriso aberto — e cuja gentileza será uma constante nos nove dias em que partilharemos o mesmo barco. “Olá, senhor David Andrade. Posso apresentar-lhe a sua suite?”. Naru, “o meu mordomo”, e a filipina Marissa Cinense, a camareira, estarão sempre por perto, para que nada me falte.
E a verdade é que o que Naru tinha para me mostrar era digno de qualquer bom hotel de cinco estrelas. Ao meu dispor, na suite 919, estava um espaço de dimensões generosas (35m2) onde não faltava uma cama queen size, sala de estar, duas televisões com ecrã plano, casa de banho com banheira e chuveiro, e um inesperado e amplo quarto de vestir. A tudo isto, a Silversea acrescentou pequenos “mimos” como um “Menu de Almofadas”, para que, em caso de insatisfação com as “Popular” e “Prominent”, que ao dispor na cama forrada a lençóis de algodão egípcio, possa escolher entre mais sete variedades.
Apesar de uma suite com 35m2 e uma varanda privada de 6m2 nos parecer mais do que suficiente para que nos sintamos em casa, há sempre quem prefira um pouco mais. A troco de alguns milhares de euros, pode optar por ficar instalado na Silver Suite (69m2), na Royal Suite (92m2), na Owner Suite (120m2) ou Grand Suite (142m2). Foi o que fez um casal de brasileiros clientes de Rachel Ghelman, uma agente de viagens do Rio de Janeiro que embarcou no Silver Spirit para aferir das potencialidades do mais recente navio da companhia italiana.
Com uma vasta experiência no que diz respeito a viagens em navios de cruzeiro – o Silver Spirit foi o 15.º do currículo –, Rachel garante que irá “com toda a certeza” recomendar o barco da Silversea. Habituada a trabalhar com clientes que “nunca discutem o preço” do que quer que seja, Rachel elogia o “atendimento na cabine”, mas não gostou de encontrar “o casino fechado pouco depois da meia-noite”. E acrescenta que o navio italiano não é para todos: “O passageiro que viaja na Silversea não procura diversão. Prefere estar na biblioteca a ler um bom livro ou a fazer um puzzle de mil peças.”
A opinião é partilhada por Brian e Mary, um casal de norte-americanos que viajou até à Europa para conhecer Itália. No roteiro, incluíram uma estadia de nove dias a bordo do Silver Spirit e a opção, garantem, “valeu muito a pena”. “Já estamos reformados e, na nossa idade, o que procuramos é tranquilidade e um bom serviço. Temos tudo isso aqui”, salienta Brian. Este ex-empresário hoteleiro refere, no entanto, que “os filhos não iriam gostar” da experiência e que os “netos cortariam relações” com os avós se eles os levassem “para um barco como o Silver Spirit”. Sentada ao seu lado, enquanto faz “horas para ir ao ‘tea room’”, Mary acena em sinal de concordância e acrescenta: “Um jovem dificilmente encontra aqui motivos para diversão e rapidamente ficaria aborrecido. Mas, para nós, é perfeito. É sossegado, somos bem tratados e comemos bem.”
Alessandra Cabella, directora de vendas da Silversea para Itália, Rússia e novos mercados, reconhece que “é preciso gostar deste tipo de vida”. Trabalhando há 27 anos em companhias de cruzeiros, esta italiana revela que a idade do passageiro-tipo do Silver Spirit se situa entre “os 40 e muitos para cima”. “Quem vem para aqui procura um bom serviço e alguma intimidade. Quase como se estivesse num iate privado”, esclarece. Mas, apesar de a conservação da privacidade e o recato dos passageiros ser ponto de honra para a Silversea, há mais vida a bordo, fora do conforto da sua suite.
É o caso do Casino do navio. Em determinados países, a legislação vigente poderá não permitir que esse espaço funcione quando atracado, mas, quando em águas internacionais, o jogo será sempre uma opção. Depois, o Silver Spirit oferece ainda espaços como o Pool Bar & Grill, que, paredes-meias com a piscina e três jacuzzis, dá a saborear bons cocktails — como o “Silversea”, recomendado para os apreciadores de gin. E há ainda o Panorama Lounge, que durante o dia funciona como um bar tranquilo e à noite se transforma em discoteca para os mais resistentes.
Mas a jóia da coroa do navio vai transportá-lo novamente a reconfortantes momentos de ócio. Considerado pelos leitores da prestigiada revista Condé Nast Travelercomo “o melhor no mar” — foi o único a receber a pontuação máxima —, o spa do Silver Spirit, com 770m2, promete deixá-lo em êxtase. Neste espaço com amplas janelas encontrará, por exemplo, nove salas de tratamento, áreas de relaxamento interiores e exteriores, hidromassagem, banho turco e sauna. Fica, porém, o aviso: depois de lá entrar, ser-lhe-á difícil frequentar um outro spa que não tenha a chancela da Silversea. Um luxo, pois claro!
As refeições a bordo do Silver Spirit prometem ser momentos de contemplação para os apreciadores da alta gastronomia francesa. A Silversea conserva a honra de deter o único título de “Relais Gourmet” flutuante, uma distinção inerente ao mérito de os navios da empresa integrarem o prestigiado e restrito guia Relais & Châteaux, verdadeira bíblia do requinte quando o tema é hotelaria e alta gastronomia.
Criada em França, em 1954, a Relais & Châteaux é uma exclusiva rede de 520 dos melhores e mais luxuosos hotéis e restaurantes gourmet, espalhados por mais de 60 países. Tem como missão “disseminar a arte de viver” por todo mundo, divulgando “propriedades e serviços com características únicas e exclusivas”. Esse conceito encaixa como uma luva no que a Silversea oferece aos seus passageiros através de um regime all inclusive: refeições, bar aberto com os melhores vinhos, champanhes e cocktails durante toda a viagem — e até as tradicionais gratificações aos tripulantes estão incluídas no preço inicial.
E porque a comida é um dos factores decisivos para avaliar a qualidade de um cruzeiro, visto que, uma vez a bordo, não há possibilidade de escapar ao que lhe é oferecido no navio, a companhia dotou o Silver Spirit de seis diferentes espaços de restauração. O principal é o The Restaurant, onde pode almoçar e jantar, todos os dias, sem gastar um euro a mais do que já pagou pela viagem. As restantes opções exigem reserva prévia pelo preço de 30 dólares, mas, depois de se sentar à mesa, não terá que desembolsar qualquer valor pelo que escolher comer e beber. Embora o The Restaurant cumpra à risca os mais elevados padrões de qualidade, vale a pena, no entanto, experimentar espaços como o Le Champagne, com pratos de inspiração francesa, o Seishin, um inovador restaurante para os amantes da comida asiática ou o Stars Supper Club & Piano Bar, onde terá o prazer de degustar seis diferentes pratos.
Cumprindo a premissa de dotar os seus navios com produtos de excelência, a Silversea dá a oportunidade aos seus passageiros de solicitar ao serviço de quartos, por exemplo, 50 gramas de caviar Petrossian Beluga Royal a troco de 780 dólares (perto de 580 euros).
Mas ainda há outras opções a saborear no navio, bem mais em conta e igualmente distintas. É o caso do presunto DOK Dall’Ava, uma iguaria sumptuosa, mas cuja essência será bem mais familiar ao paladar dos portugueses. O empresário Carlo Dall´Ava subiu a bordo do navio, numa viagem que teve paragens em Veneza, Koper, Split, Dubrovnik, Valletta, Messina e Sorrento, para dar a conhecer o presunto que, no passado mês de Novembro, foi apontado por um jornal transalpino como um dos 32 melhores produtos de Itália. Com 58 anos de existência, a marca DOK Dall’Ava apenas comercializa os seus artigos alimentares para hotéis, restaurantes e lojas da especialidade, incluindo na sua restrita carteira de clientes desde hotéis como o luxuoso Harrods e a prestigiada loja londrina Fortnum & Mason, até personalidades como o presidente de Itália e a Rainha de Inglaterra. Um presunto de excelência, portanto. Não seria de esperar outra coisa num barco como o Silver Spirit.