Despido de preconceitos
José Cid entrou e não mais fechou a porta à música. Teve êxitos incomparáveis, concertos atrás de concertos, salas cheias. Há cerca de cinco anos, recebeu o prémio de consagração de carreira pela mão da Sociedade Portuguesa de Autores. Tem dificuldade em destacar um momento especial, como se todos fossem únicos e indescritíveis. Pelo caminho, houve também festivais da canção — quem não se lembra de Cai Neve em Nova Iorque, Um Grande, Grande Amor e A Padeirinha de Aljubarrota. “Os festivais da canção eram interessantes, tinham bons poetas, boas poesias e boas músicas. Quem tivesse um grande poema, uma grande canção, automaticamente ganhava visibilidade.” Há um que recorda com particular emoção. O Festival da Canção de 1974. Nos bastidores, corriam rumores que poderia ser desmarcado. O que não aconteceu e Paulo de Carvalho ganharia com E depois do Adeus. José Cid ficou em segundo, terceiro e quarto lugares com O dia em que Rei fez Anos, A Rosa que Te Dei e Imagens. No início da década de 1990, o músico surpreendia o país com uma foto numa revista social. Estava despido, tinha apenas um disco a tapar-lhe as partes íntimas. A foto foi tirada com intenção de provocar. “Não estava nu, estava despido de preconceitos. Se estivesse nu tinha tido, nessa altura, muito mais êxito do que tive ainda.” Na altura havia coisas que o incomodavam. E assim despiu-se para defender novos projectos e as novas gerações da música portuguesa. “As playlist vieram destruir a ideia de que os radialistas podem ser criativos, podiam escolher as canções que quisessem, podiam optar pelo estilo de músicas que mais lhes conviesse. Hoje estão sujeitos a uma playlistque é imposta e que, muitas vezes, nem é feita por pessoas portuguesas. Na rádio já não se diz quem é o autor da música ou o autor do poema e, muitas vezes, nem sequer quem canta. As músicas passaram a ser uma espécie de puzzle e os radialistas passaram a ser protagonistas. E isto é altamente prejudicial ao próprio mercado da música.”A atitude resultou? Na sua opinião, conseguiu separar o trigo do joio. “Mas querem tirar uma fotografia dessas? Podemos tirar, mas vestido”, diz-nos. Não está a brincar. O sofá ainda lá está, numa das salas da quinta de Mogofores. Compartimento que mantém a aura do passado, com livros antigos que contam a história da Curia — em que o seu bisavô teve um papel preponderante —, quadros de gente de família em pose majestosa, um lindo piano de cauda, janelas com vista para o jardim.
Mogofores parece uma freguesia tranquila, não chega aos 1000 habitantes. A quinta de José Cid fica perto do colégio salesiano, da estação de caminhos-de-ferro por onde passa a linha do Norte. A piscina tem água, as cadelas brincam no jardim, um rapaz anda de carrinho de mão a limpar as cavalariças. Gabriela, com quem casou há pouco mais de um ano, está ausente. O telemóvel toca de vez em quando. Querem marcar mais concertos. Pede para ligar mais tarde. Ali tem tudo o que precisa para descansar e criar. Escreveu, há dias, um poema que baptizou de Rumo ao Norte e que não sabe a quem dará para musicar. Talvez não saia dali. Gosta de transformar em canções as palavras de poetas. Natália Correia é uma das favoritas. “Sophia Mello Breyner é brilhante.” Ultimamente tem cantado poemas da prima Maria Manuel Cid e de Maria Luísa Baptista do Cartaxo. O telemóvel avisa que está na hora de ir buscar a sua Gabriela pintora à Curia.