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José Cid e Mogofores

Por Sara Dias Oliveira

Tem 72 anos, está mais de duas horas em palco em cada concerto, arrasta multidões que cantam as músicas do princípio ao fim. E tem uma bela quinta em Mogofores, juntinho à Curia, com uma piscina que é pública no Verão, jardins e pinhais a perder de vista. Noutros tempos, a censura proibiu-lhe 28 canções. Hoje é um dos rostos de um novo partido que "nem é à esquerda, nem à direita".

Nas mãos, duas bolachas americanas que nos oferece como uma guloseima de criança. “São melhores do que aquelas que eram proibidas na infância”, garante-nos com sorriso. As melhores das melhores feitas pelo genro do senhor Horácio, dono do café a dois passos de casa. Mesa de bilhar, plantas frondosas na montra, cartazes afixados na porta com o que vai acontecendo na pequena freguesia de Mogofores. O senhor Salgado entra, pede um café, avisa que está com pressa, mas arranja tempo para dois dedos de conversa com o amigo Zé.

Num ápice, recua aos gloriosos anos dos desportos praticados pelos catraios lá da terra, em que Toni, que treinou e jogou no Benfica, dava uns belos toques na bola e era conhecido como a “locomotiva de Mogofores”. Há também as façanhas do Zé: o jeito para a bola, as conquistas no ténis de mesa — chegou a ser campeão universitário da modalidade —, o gosto pelos cavalos, os prémios no hipismo. O senhor Salgado não chega a sentar-se à mesa, vai ao balcão, bebe o café, e volta para as despedidas. De repente, José Cid lembra-se do medo que, nessa altura, os miúdos da sua idade tinham do Côca, o homem-mulher que lavava a roupa com as mulheres nos tanques públicos. Salgado ri-se dessa recordação. É hora do café a seguir ao almoço e quem entra cumprimenta o Zé, que pergunta como corre a vida entre um e outro aperto de mão — com uma confidência pelo meio só para nós: “Aqui há três pessoas conhecidas: o Toni do Benfica, o visconde de Seabra, autor do primeiro Código Civil, e eu.”

“A minha vida aqui é muito simples.” De manhã, quando o tempo permite, José Cid e a mulher, Gabriela Carrascalão, pintora timorense, passeiam pelo pinhal com as duas cadelas, Perdida e Chamusca, que nos recebem com pedidos de brincadeira — patas no ar, pedaço de madeira na boca. “Fiz um circuito dentro de um pinhal da quinta em que andamos dois quilómetros até chegar a casa outra vez.” A sesta também faz parte da rotina quando não há marcações na agenda. Depois, o músico vai para o estúdio, a pintora para a sala das telas e dos pincéis. José Cid tem a família perto, a irmã mais velha e três sobrinhos — um deles vive ali perto e tem também um estúdio de música. “Herdei esta casa do meu pai.” Casa grande do início do século passado com um sino no telhado que servia para chamar os empregados da quinta, corredores espaçosos, vários pianos, quadros nas paredes, uma cozinha azul à moda antiga com pássaros à janela.

Este Verão foi intenso, com dezenas de concertos por todo o país. Perdeu a conta aos espectáculos, mas não ao público que o acompanha. “Em Cascais, foram 70 mil pessoas. Tenho 30 canções que o país canta do princípio ao fim.” Não há muito tempo, recebeu um Emmy Award pelo genérico Mais Um Dia que compôs para uma telenovela da TVI, que se juntou a um currículo de várias páginas com álbuns, concertos, distinções, vitórias em festivais da canção. Qual o momento maior num percurso musical tão recheado? Quase não deixa acabar a pergunta. “O momento é este. Tenho 72 anos e uma homenagem pública nacional fortíssima, com altíssimas audiências eufóricas. Devo ser caso único na música portuguesa nesse aspecto — temos o Carlos do Carmo, um cantor fantástico, mas os seus circuitos são mais pequenos, o meu é dos grandes concertos, das queimas, das latadas, das grandes exposições nacionais, do Campo Pequeno.”

O músico de Como o Macaco Gosta de Banana não pára, está aí para as curvas. Em Novembro estará no Coliseu de Lisboa, em Abril do próximo ano no Meo Arena. “Nessa altura, terei 73 anos, espero estar em boa forma.” Faz por isso e não facilita. “Nos dias em que vou cantar, entro em estágio absoluto, durmo imenso, durmo a sesta, na hora do jantar não vou para o restaurante. Entro em estágio antes de explodir em palco”, conta. A piscina da quinta de Mogofores é uma excelente aliada, com muito espaço para exercitar o corpo. Há dias em que o músico e a mulher se metem dentro de água para exercícios de flexibilidade. “Esta manhã, a água estava tão fria, eu ainda aguento, mas a Gabriela...”. Aquela piscina torna-se pública nas tardes de Verão, das 15h às 17h. José Cid abre-a às crianças acompanhadas dos pais.

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