Fugas - Viagens

  • JAVIER BARBANCHO/REUTERS
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Cheira bem, cheira a Córdova, a flor de laranjeira e a jasmim

Cuidados ao longo de todo o ano, os pátios são mais belos e encantadores quando a Primavera chega em força mas especialmente em Maio, mês em que Córdova veste o seu fato de gala para receber os visitantes atraídos pela sua magnificência e pelos odores primaveris, coincidindo com a realização do festival que elege o mais imponente entre todos os que concorrem anualmente.

A esta hora, Francisco Fernández estará a fotografar a sua cidade, descobrindo mais um recanto, escutando mais uma história.

- Recordo que, quando chegava a altura das festas, todos os vizinhos se reuniam na minha casa e, enquanto os homens se ocupavam a fazer remendos, de escova e cal nas mãos para pintar as paredes, as mulheres poliam os vasos e cuidavam das flores. Ao cair da tarde, quando terminava o trabalho, todos os vizinhos se juntavam no pátio, as crianças brincavam e os mais velhos continuavam com os seus debates intermináveis por entre aromas de flor de laranjeira e de jasmim.  

Deixo que os meus passos me conduzam ao longo da Calleja de las Flores, verdadeira orgia de cores e odores e um dos lugares de onde se obtém uma das mais formosas panorâmicas da cidade, com a torre da catedral recortando-se contra um céu apenas manchado por uma ou outra nuvem. Sinto um desejo irresistível de preencher as minhas últimas horas do dia banhado pelos raios dourados do sol enquanto contemplo a ponte romana sobre o Guadalquivir, admirando, ao mesmo tempo, a majestosa Torre de la Calahorra. Mas a tarde ainda se espreguiça, sem pressas, como deve correr a vida em Córdova, e caminho, na minha quietude que teima em não me abandonar, até a um dos extremos da cidade, ao encontro do Palácio de Viana e à descoberta de uma casa senhorial que proporciona uma lição da evolução da arquitectura civil cordovesa entre os séculos XIV e XIX. 

O silêncio acompanha-me ao longo da escadaria renascentista, quando perscruto o seu mobiliário enquadrado em perfeita harmonia, a sua expressiva colecção de porcelanas, de azulejos, de arcabuzes e de tapeçarias, os seus salões mudéjares e os seus tectos artesoados.

Acompanhado por um rumor da água, como uma banda sonora de um filme, um cheiro forte inunda o ar e, ainda que por breves instantes, evoco o Perfume, de Patrick Süskind, editado há precisamente 30 anos. «Grenouille estava inclinado sobre ela e aspirava o seu perfume sem qualquer mistura, tal como se lhe depreendia da nuca, dos cabelos, do decote, do vestido e absorvia-o como a uma suave brisa. Nunca se sentira tão bem em toda a sua vida.» À minha frente, no Palacio de Viana, estende-se uma dúzia de pátios, todos diferentes, tão ilustrativos da sensibilidade deste povo e desta cidade, tão impregnados do cheiro a jasmim e a flor de laranjeira, tão bem enquadrados por buganvílias que vão recortando a abóbada do mundo como montanhas de contornos delicados. 

O céu já tingia com as cores do crepúsculo o centro histórico reconhecido pela UNESCO como Património Mundial em 1994 e, mais para diante, para um lado e para o outro, toda a cidade que se situava na encruzilhada de todos os caminhos, uma rival à altura de Bagdad ou Damasco, onde as culturas árabe, judia e cristã um dia conviveram de forma tão harmoniosa como as flores nos dias de hoje. Numa demonstração de que a convivência entre culturas distintas era possível, tanto uns como outros deixaram o seu legado e, independentemente das fricções sociais, as memórias de um tempo de prosperidade económica, de respeito e tolerância, quando todos viviam em Al-Andaluz, o país sem fronteiras.     

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