Allahu Akbar, Allahu Akbar – e agora, quando corre o século X, já os fiéis ocupam cada centímetro da mesquita, uns 40 mil (entre uma população a rondar o milhão de habitantes), tantos que ultrapassavam o número de residentes em grandes metrópoles dos nossos dias, como Londres e Paris, tantos que enchiam o Patio dos Naranjos como um ovo.
O murmúrio do rio
O perfume inunda a atmosfera, um inebriante odor a flor de laranjeira que me persegue enquanto cruzo, ainda ébrio de tão eloquente visão proporcionada pela mesquita, o Patio de los Naranjos, onde Averroes (latinização do nome árabe Abu-I-Walid Muhammad ibn Muhammad ibn Rushd), dava as suas aulas de filosofia com a mesma facilidade com que dominava áreas como as leis islâmicas, a astronomia, a medicina e as matemáticas.
Por momentos, estando tão próximo, num lugar que o poeta Ricardo Molina descreveu como «ilha de sombra, de silêncio e perfume», parece que escuto o murmúrio do Guadalquivir ou mesmo as palavras de Frederico García Llorca.
Um peixe sozinho na água
Que as duas Córdovas junta:
Branda Córdova de juncos.
Córdova de arquitectura.
Moços de cara impassível
na margem põem-se nus,
aprendizes de Tobias,
e Merlins pela cintura,
para aborrecer o peixe
em irónica pergunta,
se deseja flores de vinho
ou saltos de meia lua.
E o peixe que doura a água
e os mármores enluta
dá-lhes lição e equilíbrio
de solitária coluna.
O Arcanjo arabizado
de lantejoulas escuras
entre o comício das ondas
rumor e berço procura.
Um peixe sozinho na água
Duas Córdovas de formosura.
Córdova quebrada em jorros.
Celeste Córdova enxuta.
Em Córdova, após muitas discussões, o ano de 1523 ficará para sempre intimamente ligado ao início das obras da catedral cristã, Património Mundial da Humanidade desde 1984 – e só mesmo uma cidade habituada à diversidade cultural poderia aceitar a amálgama artística com que presenteia os seus habitantes, com a particularidade de, com os seus quase 23 mil metros quadrados, apenas ser superada pela mesquita de Meca. A meia dúzia de passos da catedral, qual espectro que simboliza o encontro do Cristianismo com o Islão, está a Juderia, com a sua sinagoga e as suas ruas e vielas de inspiração andaluza, o seu traçado irregular e ziguezagueante, mais os seus pátios onde borbulha a água das suas fontes seculares, abraçadas por limoeiros, por jasmins e roseirais tão perfumados, a tão curta distância do Alcázar dos Reis Católicos, inspiradores, serenos e exemplo de sentido de estética.
Fundado em 1328 por Alfonso XI, foi testemunha, no interior dos seus muros, de uma entrevista, em 1486, entre os Reis Católicos e Cristóvão Colombo (em busca de fundos para partir à descoberta do Mundo Novo) mas também de intrigas da Inquisição, que teve neste palco a sua sede até aos primeiros anos do século XIX.
Com a partida dos árabes, coube aos cristãos a decisão de abrirem os pátios às ruas, como símbolos de hospitalidade e integração. Nos pátios, as famílias recebiam os seus convidados e, quando os comensais entravam pela primeira vez nas casas, eram acolhidos com um copo de leite, representando a pureza de sentimentos, e com tâmaras, símbolo de ajuda aos amigos.