Confesso que quando vi a proposta vacilei. Temi que o meu olfacto não estivesse à altura do programa da Aromas do Valado. Tinha presente que há uns anos um diagnóstico pomposo, sinusite crónica exuberante, atestava aquilo que eu já sabia. Por vezes, a minha capacidade de cheirar era praticamente nula e com isso também perdia o paladar. Mas o diagnóstico já lá ia e os sintomas tinham vindo a melhorar ou, pelo menos, a estabilizar, fruto de tratamentos sucessivos. Por isso, decidi arriscar. Devo dizer, com sucesso. Não só a experiência me permitiu degustar uma panóplia de cheiros de plantas autóctones da Beira Interior e de algumas forasteiras, como permitiu trazê-los na mala. De facto trago uma lição: até os cheiros do campo se embalam.
Refiro-me em concreto ao cheiro intenso e refrescante do eucalipto, que trouxe na forma de uma água floral. Quando Helena e António Vinagre, os responsáveis pela Aromas do Valado, nos levaram ao coração do projecto, a destilaria, estava-se a extrair o óleo essencial de eucalipto e por arrasto a água floral. O processo artesanal da destilação a vapor é simples, mas repleto de minuciosos detalhes que me vou dispensar de relatar.
Num anexo da quinta do casal, em Segura, Idanha-a-Nova, António explica como tudo se faz. O calor não ajuda à concentração, mas tentamos não perder o fio à meada. Num destilador, que se assemelha a uma cuba de armazenar vinho, ou seja, um grande cilindro metálico, colocam-se as plantas com água no fundo. Até ferver. Neste caso, eucalipto. “Mas só se aproveita a planta sem os ramos”, observa António, que neste projecto faz uso da sua larga experiência como engenheiro agrário. A uma temperatura controlada, para não destruir as propriedades do óleo, a água transforma-se em vapor. Depois, num tipo de cano, o vapor é condensado novamente em líquido. E canalizado, em forma de gotas, para um recipiente de vidro onde o óleo essencial surge à superfície. Por baixo, uma solução aquosa com algum óleo que teima em não se destacar. É a tal água floral que tenho usado como tónico facial, seguindo à risca os conselhos de Helena.
E quando digo “a tal”, refiro-me concretamente àquela que vimos fazer. Fruto do acaso, quando o casal Vinagre nos levou a conhecer o resto das instalações, nomeadamente o laboratório onde se fazem os sabões e a loja onde se expõem os produtos feitos na quinta, decidi comprar a água floral de eucalipto. Isto depois de analisar o vasto cardápio de produtos, que inclui um curioso perfume sólido, sabões variados, óleos essenciais, géis de banho, tudo feito a partir dos óleos essenciais e das águas florais do Valado. Todos controlados por uma equipa de investigadores da Universidade de Ciências de Lisboa, os responsáveis técnicos do projecto. À minha escolha não terá sido alheia o tal diagnóstico pomposo que me aguçou a sensibilidade para produtos naturais que aliviam problemas respiratórios.
A decisão revelou-se inesperadamente certeira, já que, apesar de ter escolhido a única água floral que estava esgotada, o pragmatismo de Helena resolveu depressa o problema. Nessa manhã tinha-se destilado eucalipto, como aliás comprovara. Num salto, Helena foi aos bastidores da loja, onde se guardam os frascos, as rolhas, os rótulos e as caixas e em minutos engarrafou e etiquetou o produto. Mais fresco era impossível. E com todo o processo produtivo ao vivo.