Fugas - Viagens

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Belém: Vamos comer o Pará

É aí que encontramos Beth Cheirosa, verdadeira instituição local — nem vale a pena perguntar-lhe como tudo começou, porque ela desaparece no meio das fotos tiradas ao lado de celebridades várias e vai logo buscar uma folha A4 com o seu currículo. Aí lê-se que tem 48 anos de Ver-o-Peso, mas a sua fama ultrapassa fronteiras, e que dá até palestras em escolas e universidades, transmitindo o conhecimento dos poderes das ervas amazónicas que recebeu da avó, a Mãe Velha, e da mãe, já conhecida como dona Cheirosa.

Com Thiago, Cleber e Adriana andamos pela zona das farinhas para nos mostrarem como a mandioca se transforma em tanta farinha que serve para tanta coisa diferente, da goma usada no tacacá às farinhas que se juntam ao açaí. Mas é a tapioca com coco do senhor Davi — e a boa disposição deste homem de 73 anos, 47 de Ver-o-Peso, que garante que não sabe fazer mais nada do que vender farinha, mas que sobre farinha sabe tudo — que mais nos encanta. Thiago já o tinha dito: “Não são os ingredientes, são as pessoas, e as histórias das pessoas, que nos transformam, que nos fazem crescer.” E no Pará, a aventura está apenas a começar.

Próxima paragem? Ilha do Combu, em busca do cacau orgânico da dona Nena, aquele que Thiago usa nas suas sobremesas. 

O cacau da dona Nena faz-se no quintal

Dona Prazeres é baixinha, magrinha e um poço de simpatia. Não tínhamos ido até à ilha de Combu por causa dela, mas foi ela a primeira pessoa que encontrámos. Recebeu-nos no seu restaurante sobre estacas, o Saldosa Maloca, com o rio a passar ali ao lado, e ofereceu-nos um sumo misterioso, deixando-nos a adivinhar de que seria. Nem os nossos guias, Adriana e Cleber, vindos do outro lado do rio, de Belém, no barquinho que não demora nem 15 minutos a chegar aqui, conseguiram adivinhar. “Vocês lá em Belém não sabem o que tem aqui”, riu-se dona Prazeres.

Trouxe inhame frito e pirarucu para petiscarmos, depois encheu-nos de repelente e convidou-nos a passear por entre as árvores enormes que rodeiam o restaurante. “Esta é uma samaomeira, os índios chamam-lhe a árvore-mãe”, diz, indicando uma árvore gigante. “Batiam na raiz para entrar em contacto com as outras tribos.” Mostra-nos o buriti ou miriti, usado para fazer os bonecos levíssimos do artesanato local, a andirobeira, cujo óleo é usado como anti-inflamatório, a seringueira, de onde é tirada a borracha que no passado foi a riqueza do Pará, o jenipapo do qual os índios extraem uma tinta que usam para pintar o corpo.

Prazeres cresceu aqui no meio destas árvores e sabe tudo sobre elas. Passou a infância no Combu, quando vivia na ilha tão pouca gente que “quando se ouvia o ruído de um barco sabia-se logo quem era”. Dava para ouvir o estalar do ouriço da seringueira, que assim, quebrando-se ao sol, espalha as suas sementes. Mas a ilha cresceu e hoje vivem no Combu, nas casas sobre estacas a que só se chega de barco, mais de 1800 pessoas.

A samaomeira que nos faz sentir anões está comprometida por causa da erosão provocada pelo rio — o próprio restaurante, construído em 1982, ficava nessa altura dentro da floresta e hoje está dentro do rio. Dona Prazeres tira um fruto do cacau, bate com ele na árvore e mostra o interior, uma espécie de dentes brancos, os grãos cobertos por uma polpa fina. É delicioso. E é, afinal, daí que é retirado o sumo que nos ofereceu à chegada: suco de cacau.

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