Fugas - Viagens

Continuação: página 6 de 8

Belém: Vamos comer o Pará

Lembra-se de quando era pequena ir de barco com o irmão ao longo da ilha para recolher o cacau que os pais, que iam pela floresta, apanhavam. Tudo começou com o avô, que veio de Portugal para Belém, voltou para “ir buscar a avó à Granja” e instalou-se definitivamente aqui abrindo uma fábrica de gelo. Mais tarde comprou uma ilha e dedicou-se ao cacau.

Foi o cacau que nos trouxe até aqui. Não o suco, que nem sabíamos que existia, mas o chocolate orgânico (na verdade 100% cacau) da dona Nena, tia de Prazeres, e a mulher que recuperou o trabalho do cacau que a família praticamente abandonara. Para chegarmos a casa desta mulher de cabelos negros e rosto simpático temos que ir de barco. Fica a menos de cinco minutos da Saldosa Maloca.

Cacau na folha

A casa de dona Nena é também a sua “fábrica” de cacau orgânico. “A nossa família sempre produziu cacau, mas só para os amigos que nos vinham visitar. Tem um padrão de fermentação e de secagem que é bem da família, tudo muito rústico.” Mas dona Nena estava com problemas em trabalhar o chocolate e resolveu pedir a opinião de um chef que conhecia a Prazeres do Saldosa Maloca: Thiago Castanho. “Ele veio cá e disse ‘por favor, não muda o seu chocolate’”.

Hoje o cacau orgânico do Combu, que dona Nena vende na feira orgânica em Belém, faz parte das sobremesas do Remanso do Bosque, o restaurante dos irmãos Castanho, e vai ganhando fama. Ela mostra-nos como o faz. Mais simples não podia ser. Os cacaueiros ficam por detrás da casa. É só apanhar os frutos, tirar os grãos, deixá-los fermentar, secá-los (há alguns a secar no interior da casa), torrá-los e, por fim, moê-los. A máquina é básica, dona Nena vai buscá-la para a afixar à mesa e mostrar-nos como mói o cacau, enquanto discute com um vizinho a melhor forma de adaptar a máquina para a tornar mais eficaz.

Já chove sobre o pátio palafita da casa de dona Nena. Chove sobre o rio de água castanha. A floresta parece ainda mais verde, o cão corre de um lado para o outro, agitado com a chuva. Continua a fazer calor. Dona Nena, de calções brancos, camisola vermelha, cabelo muito negro, vai moendo devagar os grãos de cacau. Do outro lado sai uma pasta castanha escura, brilhante. Ela junta uma quantidade e embrulha numa folha de bananeira. É assim que vende o seu cacau na feira. O cão sossega. A chuva já vai parar.

A Paris na selva (e outras maravilhas de Belém)

Era o tempo em que os habitantes de Belém se cumprimentavam com um Vive la France!. No final do século XIX, início do XX, a cidade brasileira no meio da Amazónia vivia a euforia do Ciclo da Borracha, a Belle Époque, o seu porto explodia de actividade, e os seus políticos sonhavam transformá-la na Petit Paris – ou, como era chamada, a Paris n’América.

Enquanto muito do Brasil ainda vivia na pobreza e no atraso, Belém (tal como a sua eterna rival, Manaus) resplandecia, com a chamada “estética higienizadora”. Não só já tinha luz eléctrica, água canalizada e esgotos, como tinha carros eléctricos e avenidas largas, e um magnífico teatro, o Theatro da Paz, frequentado pela elite fascinada por Paris.

--%>