Fugas - Viagens

  • JAVIER BARBANCHO/REUTERS
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Cheira bem, cheira a Córdova, a flor de laranjeira e a jasmim

Por Sousa Ribeiro

O primeiro concurso da Festa dos Pátios remonta a 1921. Mas a tradição destes espaços é bem mais antiga. É Córdova em flor, numa manifestação de beleza e da arte de bem receber convidados.

- O meu pátio, como quase todos os outros em Córdova, tinha um poço com o seu cubo e com o qual se tirava a água para deitar nas flores. Para regar as que estavam mais altas, trepando pelas paredes de um branco imaculado, era necessária uma cana, à qual se atava, num dos extremos, uma lata. 

Francisco Fernández, um eterno apaixonado pela fotografia que, numa não menos perpétua redescoberta, não se cansa de errar pela cidade onde sempre viveu, gosta de desfiar as memórias de um tempo em que era um menino, desperto como nunca para os ruídos e os cheiros que inundavam o ar.

- Cada pátio tinha uma, duas ou três pias de pedra onde as mulheres lavavam a roupa.

A história dos pátios perde-se no labirinto da história mas há quem defenda que já no tempo dos romanos, quando Córdova era Corduba, funcionavam como salas de visitas dos casarões, quais antecâmaras de templos com os seus bebedouros projectando-se no centro, os impluvium, esses tanques rectangulares que usavam para recolher a água das chuvas que se encontrava no vestíbulo (domus em latim) das casas. Mas foram os árabes que fizeram dos pátios lugares associados à intimidade e protegidos dos olhares dos curiosos, incorporando-os nas vivendas e dando-lhes, desta forma, um carácter social.

Quando, em 1236, Fernando III de Castilha entrou em Córdova, já muitas páginas, relatando uma época de prosperidade e de riqueza, haviam sido escritas sobre a cidade que, três séculos antes, não encontrava paralelo no mundo civilizado como exemplo de modernidade. Todas as manhãs, mal a urbe despertava, mais de mil mesquitas e oito centenas de banhos públicos abriam as suas portas; quando o crepúsculo baixava sobre a urbe, as suas ruas principais eram iluminadas por tochas e archotes, um sistema que haveria de chegar a Londres ou a Paris apenas 700 anos mais tarde. Allahu Akbar, Allahu Akbar – o chamamento dos muezzins ecoa pelos céus e os fiéis acorrem às abluções.  

Desse período de glória, de uma luz tão intensa, resta o monumento mais emblemático da cidade, a mesquita (erguida a partir do ano 785 sobre a Basílica visigoda de San Vicente), alargada e dotada (até ao século X) de uma sumptuosidade (por Abderramán III e al-Hakam II) ao ponto de se tornar no lugar de culto mais deslumbrante do mundo árabe. Errar por este espaço, de preferência embebido em silêncio, depois de franquear a Puerta de las Palmas, provoca no mais indiferente dos viandantes um sentimento de espanto, tamanhas são a sua grandiosidade e a sua elegância estética ao longo de quase duas dezenas de galerias que abrigam centenas de colunas de mármore, de granito, de jaspe e berilo que sustêm uma arcada dupla de matizes ocres e avermelhados.  

A primeira sensação, imediata e profunda, é de que estou embrenhado numa floresta, banhado de luzes e sombras que também envolvem, numa harmonia silente, todo o conjunto, uma atmosfera que tem tudo de irreal e que subjuga, uma fascinante obra-prima da arte muçulmana, única no mundo. Mas os meus olhos, como quase todos os outros que vagueiam sem destino, a esta hora e por este lugar mágico, acabam por se plantar na sua construção mais delicada, o mihrab; levantado nos tempos de Al-Hakam II e ainda hoje, tantos séculos depois, a jóia mais autêntica da mesquita, o nicho octogonal leva a assinatura de artistas bizantinos que deixaram como herança os fantásticos mosaicos que ornamentam o arco de entrada, a maqsura, bem como a cúpula que a antecede.   

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