Nikotina, a mulher do chefe da aldeia Cervejalambix, é uma cozinheira de primeira e quando o marido traz os gauleses para almoçar, ela preocupa-se: "Há uma mã cheia de javalis, enchidos e cerveja... podem comer pão com conduto, mas é poucachinho." Minutos depois, frente a uma mesa a abarrotar de comida, Obélix está feliz. E ainda não foram inventadas as batatas fritas...
Isso só vai acontecer mais tarde, devido a um feliz acaso. Num campo romano a sul da aldeia belga, os romanos estão a aquecer óleo para lançar sobre os inimigos quando estes os atacarem. Cervejalambix pergunta ao soldado romano para que é o óleo "e ele...batatas" (ou seja, não responde porque o terror fá-lo desmaiar). Mas a palavra "batatas" deu uma ideia a Cervejalambix: "Batatas fritas... tenho de falar nisso à Nikotinita". (E quando vê mexilhões agarrados a um pedaço de madeira do barco afundado dos piratas, interroga-se se "nã marchavam bem com batatas fritas?" - o início da hoje instaladíssima tradição das moules et frites belgas.)
E assim, segundo Astérix, terão nascido as batatas fritas que, de acordo com o jornalista belga Jo Gérard, surgiram no século XVII (e não em 50 a.C., ano em que se passam as aventuras de Astérix), no território que mais tarde passou a ser a Bélgica, porque os habitantes tinham o hábito de pescar no rio e fritar os pequenos peixes - quando o rio congelou, cortaram batatas de modo a parecerem os peixes e fritaram-nas também. Há, no entanto, dúvidas quanto à veracidade desta história. O que se sabe é que as batatas chegaram à Europa vindas do Novo Mundo nos finais do século XVI e que a fritura já era uma técnica generalizada desde a Idade Média.
Mas também a questão dos javalis está longe de ser pacífica. Sabe-se que todas as espécies de porcos domesticados que existem hoje são descendentes dos javalis selvagens. Mas será que os gauleses em 50 a.C. comiam javali? Uma exposição organizada em Paris em 2011, intitulada Les Gaulois, tentava desfazer alguns mitos, explicando por exemplo que os menires que Obélix transporta são do Neolítico e não existiam naquela época na Gália - tal como os javalis assados.
"Não sabemos de onde veio esta ideia dos javalis, excepto talvez da crença popular de que os gauleses viviam em florestas", disse o arqueólogo francês Vincent Charpentier, citado pelo The Telegraph. A exposição mostrava que os gauleses desse período já criavam animais, nomeadamente porcos, e praticavam a agricultura.
Onde aparecem porcos domesticados - mais uma vez para surpresa de Obélix - é em Astérix na Córsega. O que, na verdade, não é surpreendente: os registos mais antigos da existência de porcos domesticados datam de 7000-5000 a.C. na zona do Mediterrâneo e Médio Oriente. Quando chegam à aldeia do herói corso desta aventura, Ocatarinetabelatchitchix, os dois gauleses vêem porcos na rua. "Oh! Olha! Javalis domésticos!, exclama Obélix. "São porcos selvagens", explica-lhe Ocatarinetabelatchitchix.
Tão importantes são os javalis para os gauleses (pelo menos para estes gauleses), que quando vão aos Jogos Olímpicos (Astérix nos Jogos Olímpicos) o druida aconselha, "para uma dieta equilibrada", que levem para Atenas um carregamento de javalis, vivos, que, inclusivamente, ficam instalados com eles na estalagem. E, no entanto, come-se bem na Atenas daquele tempo: "Os nossos turistas iniciam-se nos prazeres das parras recheadas, das espetadas, das azeitonas, das melancias e do vinho resinoso" (a resina era usada para selar as ânforas).