O problema é que, como sabemos, os atletas devem evitar excessos alimentares - e os espartanos são disso um bom exemplo, alimentando-se apenas de "figos, azeitonas, carne crua e água" (ou, na versão de um atleta revoltado, "caroços de azeitona e banha"), enquanto os gauleses se banqueteiam com tudo o que há de mais saboroso.
E as orgias?
Em Roma, sê romano. Mas aí os gauleses não têm muitas dificuldades. Afinal, o império romano conhecem eles bem. Em Astérix Gladiador encontram facilmente em plena capital do império um restaurante gaulês onde a especialidade é... javali no espeto. Na Roma Antiga abundavam os espaços para comer fora de casa. Havia muito aquilo a que hoje chamamos fast food nas popinae, bares onde se consumia vinho e alguns petiscos, geralmente pão, azeitonas, guisados (com feijões, ervilhas, lentilhas), ou peixe frito, frequentados pelas classes mais baixas e por prostitutas, e que serviam muitas vezes de palco a actividades ilegais.
Semelhantes às popinae eram os thermopoliums, um nome que deriva do facto de servirem comida quente. Depois, existiam as tabernas, que estavam um pouco mais acima na qualidade e no ambiente. Mas Astérix e Obélix não se dedicam a grandes experiências gastronómicas em Roma (não há referência, por exemplo, ao garum, o célebre molho de peixe fermentado, que os romanos adoravam, e que tinha em Portugal um dos principais centros de produção), e não se deixam impressionar com a comida exótica que lhes é servida na casa de um romano rico: "Uma nova receita de pastéis à base de ingredientes que custam uma fortuna: línguas de rouxinóis importadas do Norte da Gália, ovos de esturjão vindos dos confins dos países bárbaros, gengivas de baratas da Mongólia". Obélix só tem um comentário: "Salgado."
Quando se juntam ao exército romano, ou mais exactamente à Legião Estrangeira, em Astérix Legionário, para irem salvar Tragicomix, o apaixonado da bela Falbala, Astérix e Obélix revolucionam a forma como se come. Rapidamente desaparece a nauseabunda ração do legionário: "trigo, toucinho e queijo, cozido tudo junto para poupar tempo". Os gauleses "persuadem" o cozinheiro a servir-lhes javalis e bolos com frutas cristalizadas, e mesmo quando vão a caminho do Norte de África não lhes falta javali no espeto e bolo com natas.
Não está confirmado pelos factos que a comida do exército romano fosse má (talvez na Legião fosse particularmente má) - pelo contrário, segundo documentos e pesquisas arqueológicas citadas em Food in the Ancien World, de Joan P. Alcock, os soldados comiam pão, bacon, queijo, frango, guisados com carne, fruta, frutos secos, e bebiam vinho, embora o de menor qualidade. Mas não se pode falar do império romano sem falar de orgias. E orgias não faltam em Astérix entre os Helvécios, sobretudo no palácio de Gracchus Deulhovírus, "o poderoso governador romano de Condate" (Rennes). Aparentemente, a grande iguaria aí consumida eram as tripas de javali fritas em gordura de bisonte. Que ficam deliciosas... com mel. Mas não são o único petisco. Há também, por exemplo, receitas elaboradas, como "morcela de urso e pescoços de girafa recheados".