Mas para quem observa estes rituais com menos devoção (com menos fanatismo?), o efeito pode revelar-se totalmente diferente. E para os europeus, crentes ou não, habituados como estão a visitar os maravilhosos lugares de culto do Velho Continente - com as suas extraordinárias catedrais, igrejas, ruínas e obras de arte, com os sinais da sua idade, muitas delas impecavelmente restauradas -, a Terra Santa pode ser uma desilusão. Aqui, aos templos e capelas antigas sobrepõem-se quase sempre construções recentes, muitas vezes dos séculos XIX ou XX, que parecem ter sido concebidas sem qualquer preocupação estética, só para assinalar, da forma mais berrante possível, que algo sagrado terá acontecido ali. Uma encenação perpetuada ao longo dos séculos pelas diversas igrejas cristãs.
Os lugares de Jesus
Mas comecemos pelo início, tentando acompanhar algumas das etapas consideradas pelos Evangelhos como cruciais na vida de Jesus, das quais a Igreja do Santo Sepulcro foi justamente a derradeira. Não foi essa a ordem da visita que fizemos ao longo de quatro dias, marcada pelas conveniências da geografia, mas é a mais coerente.
Portanto, partamos em direcção a Belém, o local que, conforme a tradição religiosa, viu nascer Jesus. Situada a uns quilómetros a sul de Jerusalém, Belém encontra-se hoje cercada pelo muro de betão que separa Israel da Cisjordânia. Os cidadãos de Israel não atravessam para o outro lado do checkpoint "por razões de segurança", diz-nos o guia israelita do grupo em que nos encontramos. E como os guias turísticos israelitas também não têm o direito de exercer a sua profissão nos territórios sob autoridade palestiniana, ficamos entregues, por umas horas, a uma jovem guia palestiniana católica.
Pelo seu lado, explica-nos a guia, os palestinianos só podem entrar em Jerusalém em certas alturas festivas - e se quiserem viajar para o estrangeiro, têm de o fazer via Jericó e Jordânia.
O ex-líbris de Belém é a Igreja da Natividade, um dos mais antigos locais de culto cristão do mundo. A sua fachada do século VI é bela e imponente, apesar de ter sido repetidas vezes remendada e ampliada posteriormente. Entra-se pela Porta da Humildade, de dimensões deliberadamente reduzidas para obrigar os visitantes a baixar a cabeça em sinal de respeito. Os diversos espaços interiores são administrados pelas igrejas Católica Romana, Ortodoxa Grega e Apostólica Arménia, sendo que igreja grega ficou com a maior fatia do "bolo".
O ponto de maior interesse espiritual, aqui, é o local considerado tradicionalmente como o sítio exacto onde Maria deu à luz Jesus. Localizado na Gruta da Natividade, debaixo da igreja, é assinalado no chão por uma estrela de prata de 14 pontas. No fundo da gruta, pode ver-se a manjedoura onde Maria terá deitado o seu filho recém-nascido.
Continuando um percurso mais ou menos cronológico, temos de voltar a atravessar a fronteira, regressando a Israel e seguindo em direcção a Nazaré, na Galileia, novamente em companhia do nosso guia israelita. Este é o sítio onde a tradição reza que o jovem Jesus cresceu - mas os historiadores pensam que ele também terá cá nascido (e não em Belém). Fica a uns cem quilómetros a norte de Jerusalém, já perto do Mar da Galileia.
A cidade actual de Nazaré é um misto desagradável de Feira da Ladra e Disneylândia. A rua por onde caminhamos tem um sem-fim de lojas e mais lojas que vendem objectos religiosos de todo o tipo e feitio, agências de câmbio (embora todos os comerciantes aceitem euros), um caos de carros mal estacionados, enormes autocarros que param uns instantes para cuspirem centenas de turistas.
Em cada sítio uma igreja...
Primeira escala na Basílica da Anunciação, onde a tradição diz que Maria recebeu a visita do arcanjo Gabriel (era aqui que ela vivia antes de engravidar) - e onde mais uma gruta assinala o local tradicionalmente associado a esse evento místico. À volta da gruta foi construída uma primeira capela no século IV. Vieram a seguir uma igreja bizantina, destruída pelos muçulmanos uns séculos depois, uma igreja do tempo das Cruzadas, também destruída (mas da qual resta um belo muro, do século XII) e uma igreja no século XVIII que seria demolida para erigir no seu lugar o desinteressante edifício que se visita hoje (acabado de construir em 1969).