Pela primeira vez, sentimos que não há aqui encenação desenfreada: se de facto Jesus cá viveu com os seus discípulos, é na sinagoga inferior, a de pedra preta, que terá orado - e na aldeia hoje em ruínas que terá vivido. Aqui torna-se possível imaginar a vida quotidiana naqueles tempos... desde que não olhemos em direcção à igreja octogonal, de cimento, construída nos anos 1930 para comemorar o suposto local da casa de São Pedro. Construída sobre pilares por cima da ruína em causa, de forma octogonal, parece uma nave espacial que aterrou nesta paisagem por engano. Mais uma ocasião falhada de deixar tudo como o encontraram...
Regresso à Judeia
E agora, o último acto. Uma semana antes da celebração da Páscoa judaica, Jesus viajou para Jerusalém com os seus discípulos, vindo de Cafarnaum. Como não tinha onde ficar, dormia ao relento do outro lado do Vale de Cédron, no Monte das Oliveiras.
Quando foi pregar ao templo de Jerusalém (o chamado Segundo Templo, que seria destruído no ano 70 e do qual resta pouco mais do que o Muro das Lamentações), causou grande desagrado entre os sacerdotes. O que se seguiu tornou-se um dos mais dramáticos e venerados relatos da História.
Uns dias após a sua chegada, Jesus e os seus discípulos celebram a Última Ceia - que não é senão a ceia da Páscoa judaica - e Jesus anuncia que um dos presentes o irá trair. Desde a Idade Média que os Cruzados localizam o Cenáculo (o local dessa refeição pascal) numa das salas de uma casa do bairro aristocrático da antiga Jerusalém. A sala actualmente visitável é de arquitectura gótica, mas segundo a tradição o jantar decorreu mesmo ali. Mais uma ironia da História: o cenáculo fica no primeiro andar do edifício, por cima de uma antiga sinagoga onde está, segundo a tradição judaica, enterrado o Rei David (mais um monumento virtual: o guia assegura-nos que, por baixo daquele pano de veludo vermelho e daquela capa de plástico grosso, transparente, há uma lápide). E este edifício fica, por sua vez, a poucos passos da bela (e moderna) Igreja da Dormição, onde se diz que a Virgem Maria terá morrido (muitos anos depois do seu filho).
Após a refeição ritual, em vésperas de ser crucificado, Jesus foi descansar com os seus discípulos em Getsemani, o Jardim das Oliveiras, no sopé do Monte das Oliveiras. Enquanto os outros adormeciam, Jesus afastou-se uns passos, sentou-se num rochedo e sofreu momentos de profunda tristeza e angústia perante o que o esperava. Hoje, ergue-se nesse lugar a Basílica da Agonia, cujos vitrais de alabastro pretendem (e conseguem) transmitir essa tristeza e essa angústia ao filtrar para o interior uma luminosidade glauca, explica o guia. Dentro da igreja, debaixo do chão de vidro, transparece o rochedo onde Jesus se terá sentado naquela noite. E no jardim ao lado, algumas das maravilhosas e velhíssimas oliveiras que hoje ainda subsistem bem poderão ter ouvido o pranto de Jesus e presenciado a sua prisão, naquela longínqua madrugada. Apresentado perante Pôncio Pilatos, governador romano da Judeia, na grande fortaleza que na altura estava paredes-meias com o Templo, Jesus acabaria, poucas horas depois, por ser levado a morrer na cruz.