Desta cota até ao miradouro, 220 metros mais acima, estende-se um cabo de aço, fixado à rocha por um colar de nós, complementado por degraus, escadarias e pontes. É a isto que se chama uma via ferrata (italiano para 'trilho de ferro'), e a de Nax apresenta-se como uma das mais fáceis das dez já implantadas no cantão do Valais. A técnica é simples, mas falta-me o treino, que requer ir abrindo e fechando os mosquetões à passagem dos nós do cabo de aço. Não tenho uma fita métrica comigo, mas estes nós estão colocados a distâncias que devem variar entre os dois e os cinco metros entre si, consoante as agruras do trilho. O que me acontece mais frequentemente é ultrapassar um dos nós, esquecendo-me de mudar os mosquetões, donde resulta ter de voltar atrás para libertar a cintura.
É mais um incómodo do que um obstáculo e às tantas fico quase eufórico com o à-vontade com que estou a escalar os Alpes. Até que olho para baixo e dou-me conta que estou a mil e tal metros de altitude e que por baixo dos meus pés, toscamente assentes na rocha, não há mais nada. Ou melhor, até há: uma rapariga que por cortesia ou inadvertência me deu a vez e, por isso passou a fechar o grupo. É claro que deve estar farta do meu ritmo de caracol, pelo menos de cada vez que olho para trás ela parece decidida a ultrapassar-me, o que será impossível, mas pelo menos tem o dom de me obrigar a avançar e sobretudo fazer esquecer onde estou.
São apenas 220 metros de desnível; no entanto, é quase meio quilómetro de distância, que demora perto de hora e meia a percorrer. Nem sempre há degraus, nem outra espécie de muletas, é obrigatório estar em boa forma e ter alguma resistência física. Mais complicado que progredir na vertical, contudo, é contornar rochedos salientes e caminhar sobre "pontes", que na realidade se resumem a cordas gingantes. Fica-se com a ideia que se avança com segurança, mesmo assim não deve ser agradável escorregar e acabar suspenso pela cintura sobre o abismo.
Pergunto ao meu guia o que acontece quando alguém dá uma queda ou tem um ataque de pânico. "Nada, ficamos à espera que se recomponha. Da última vez houve um tipo que 'bloqueou' na frente duma ponte. Tivemos de esperar meia hora". Tudo bem, mas isso também significa que o restante grupo agarrado à mesma corda se viu na contingência de aguardar esse tempo todo ali preso nas alturas. O reverso da medalha, claro, é a adrenalina e todo o sortido dos prazeres da escalada que, graças às vias "ferratas", passaram a ser acessíveis aos leigos. É uma tentação, sobretudo em cenários tão maravilhosos quanto as montanhas do Valais.
Da guerra ao desporto
A moda é recente, as vias "ferratas" não. As primeiras de que há notícia começaram a ser construídas na ponta meridional da Glossglockner, a montanha mais alta da Áustria (3797m), em finais do século XIX. Depois ganharam celebridade na Primeira Grande Guerra, quando passaram a rendilhar as montanhas Dolomitas. Esta cadeia montanhosa, na ponta nordeste de Itália, foi cenário de alguns dos mais ferozes combates que opuseram tropas austríacas e italianas entre 1916 e 18. O controlo dos picos impôs-se como uma prioridade para os dois exércitos, o que por sua vez ditou a instalação de uma extensa rede de vias fixas nas alturas da cadeia.