Fugas - Viagens

  • Jorge Adorno/Reuters
  • Rodolfo Buhrer/Reuters
  • Cesar Ferrari/Reuters

Continuação: página 2 de 9

Curitiba, a cidade exemplar

Já não olhamos da mesma maneira para o espelho de água e patos que deambulam pelo lago do Jardim Botânico (não vemos nenhuma capívara, mas asseguram-nos que são habitantes), e muito menos o faremos no Parque de Tanguá. Em Tanguá, um antigo complexo de pedreiras perto da nascente do rio Barigui que se transformou em dois lagos unidos por túnel, cascata sobre a pedra viva, cercado por espaços verdes tutelado por um mirante — a fórmula repete-se noutros parques e no das Pedreiras, associa-se à cultura e a ousadias arquitectónicas, plasmadas na Ópera do Arame: o nome indicia a aparente delicadeza do edifício transparente seguro por tubos de aço, assente no fundo das escarpas ao lado de um lago.

Estes parques são a face mais óbvia de algo que intuímos rapidamente: em Curitiba nada se perde, tudo se transforma. Pelas ruas indicam-nos vários centros comerciais que tiveram outras vidas — desde uma fundição a uma estação ferroviária, por exemplo; o “camelódromo”, antes um conjunto desordenado de barracas, está agora concentrado num pavilhão. Uma espécie de versão local de “ordem e progresso”, a mesma que faz com que se construa uma universidade bem no centro de uma zona marginal para tentar promover a qualidade de vida local e que naturalmente cria uma “rua temática de sapatos” para onde há transportes organizados (no bairro do Bom Retiro).

Não hajam dúvidas: os curitibanos sabem que são privilegiados e usam os seus privilégios. Logo depois dos parques — e “curitibano gosta muito de rua, sentar na praça, na grama”, sublinha César —, o que mais anda na boca deles para estrangeiro ver são os “ligeirinhos” e os “ligeirão”, que de ligeiros, tanto um como outro, têm pouco: são autocarros articulados ou biarticulados que fazem as vezes de um metro de superfície, percorrendo faixas dedicadas nas principais artérias da cidade e parando diante de cápsulas de vidro, que parecem ter saído do futuro. É por elas que se faz o acesso aos autocarros, já com bilhete na mão, no mínimo de tempo possível.

Esta foi a resposta de Curitiba à necessidade de melhorar o seu sistema de transportes públicos na década de 1970, quando a sua população quase havia triplicado nos últimos 20 anos. Por essa altura tinha cerca de 361 mil habitantes, agora vai em um milhão e 800 mil, e o sistema pensado para melhorar o transporte colectivo sem arruinar os cofres (como aconteceria com a primeira ideia, o metropolitano) continua a ser um marco da cidade (entretanto exportado para outras de maior dimensão, como Bogotá com o seu Transmilénio) — e os autocarros “ligeirão”, azuis, são também os maiores do mundo, transportando 250 passageiros.

Ainda bem que há este investimento nos transportes públicos, porque o “curitibano é considerado o pior condutor do Brasil”, revela, divertido, César, o nosso guia, para logo nos tranquilizar, “o Jairo [nosso motorista] é de Londrina”. Mas talvez essa “lendária” falta de jeito ao volante também seja resultado da preferência dos curitibanos pelas motos. Apesar de chover muito, os motoqueiros são uma legião por aqui e até se diz que para um casar tem de gostar tanto da mulher como da mota.

--%>