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Curitiba, a cidade exemplar

O resultado é uma diversidade cultural (e religiosa: a cidade tem igrejas, sinagogas, mesquita e templo budista e a convivência é tão normal que vemos uma igreja metodista mesmo ao lado de um templo da IURD) natural e acarinhada — a gastronomia curitibana tanto inclui gnocchi e apfelstrudel como o muito paranaense barreado, as tradições locais são um mosaico de heranças dos países de origem e parques, praças e portais homenageiam as “pátrias” de Curitiba. Homenagens que não ficam pelos nomes, constroem memórias dos velhos países — veja-se o caso do Bosque Alemão, com o seu trilho Hansel e Gretel, ou da Praça do Japão, que alberga um jardim japonês com lago de carpas e cerejeiras vindas do Japão.

E, em Vila Felicidade, apesar do nome insuspeito, concentrou-se a antiga colónia italiana, cuja herança está preservada na arquitectura e na restauração. O bairro é uma meca gastronómica que encerra uma curiosidade, o maior (cinco mil lugares) restaurante da América do Sul, o Madolosso, cuja especialidade é, curiosamente, frango frito, e um Natal que dura o ano inteiro na Adega Durigan, edifício quase alpino, debruado de luzinhas coloridas: no interior é loja gourmet (vinhos, queijos, presuntos, compotas...); no exterior é cenário de fotos de noivos que chegam em limusines.

Não importa a origem de cada um neste tecido humano que enformou o estado do Paraná: cada um se vê ao espelho no Museu Paranaense, resumo do território desde a pré-história à chegada de imigrantes. E na Praça de 19 de Dezembro (que assinala a emancipação do Paraná em 1853), onde é prestada homenagem a todos os emigrantes e se passa em revista os ciclos económicos que ao longo dos séculos foram fazendo a riqueza deste território em painéis e baixos relevos. Também é conhecida por “praça da estátua do Homem Nu” (e também há uma mulher nua), devido à escultura do Homem Nu que representa o Paraná emancipado e sem medo do futuro.

De olhos no futuro

Há uma fixação no futuro aqui em Curitiba que se descobre até nos seus monumentos. O Paço da Liberdade, a antiga prefeitura (câmara municipal) e actual museu de artes plásticas, é o único edifício da cidade três vezes classificado — é monumento municipal, estadual e federal — e foi um suspiro arquitectónico pelo devir. Foi construído no que em 1916 era o limite da cidade, voltado para fora, para onde não havia nada — a olhar o futuro, resume César. Tem um estilo ecléctico, onde sobressai a Arte Nova, que se desenha de forma distinta em cada andar, cada qual também com funções diferentes. Foi o primeiro edifício com elevador de Curitba, “símbolo da nova era na história da cidade, de encantamento com o progresso e a racionalidade técnica”, descreve César, e inspiração para outras obras públicas que acompanharam todo o século XX.

E nada mais adequado para uma cidade de olhos postos no que ainda não chegou do que um Museu Oscar Niemeyer. Já estamos no chamado Centro Cívico, que alberga edifícios governamentais e judiciais, estaduais e locais — “nos anos 50 era cartão de visita, agora é zona de protestos”, ironiza César, quando vemos uma tenda branca, com cartazes de professores em luta desde Abril —, e o próprio museu foi inicialmente construído como sede de secretarias de Estados, em 1976, em estilo modernista. Foi também Oscar Niemeyer que concebeu a sua conversão em museu, tendo-lhe acrescentado um novo edifício, que tem a forma de um olho em betão e vidro, assente numa base de azulejos amarelos onde a negro se desenham figuras sinuosas, como que acompanharem as linhas curvas do próprio “olho” — tão icónico se tornou este novo anexo que o museu é mais conhecido como “do olho”. A exposição de Sebastião Salgado, Génesis, é a cabeça de cartaz neste Maio, mas a dedicada ao arquitecto é permanente.

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