Fugas - Viagens

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Curitiba, a cidade exemplar

É hora do almoço e o sol explode sobre Morretes — saímos de Curitiba com um friozinho e aqui é calor que encontramos, no único município do litoral paranaense que não tem mar. A cidade parece adormecida, no tempo e no movimento, quando saímos da estação para uma praça ajardinada rodeada de edifícios baixos, antigos, cor desbotada. À medida que nos afastamos da estação, ganha mais vida a cidade colonial e é nas margens do rio Nhundiaquara que revela o seu charme antigo, agora povoado de loja de souvenirs. Ruas estreitas empedradas com buganvílias a cair de muros, casas impecavelmente pintadas e a tranquilidade da província. Morretes valeria bem mais tempo, mas a paragem aqui é, sobretudo, para provar o barreado, prato típico do Paraná, ao que se crê herança de emigrantes açorianos e que aqui tem estatuto de atracção turística. Temos carne bem temperada que nos surge bem cozida (cerca de 20 horas), desmanchada, quase como um caldo, de um lado, do outro farinha de mandioca: a nossa missão é misturá-las na medida da consistência certa; para acompanhar, arroz e banana em rodelas. Aprovado.

Do litoral sem praia para o litoral com ela, de Morretes a Antonina, outra cidade histórica. Tem o Carnaval de rua mais famoso do Paraná, mas o Carnaval já passou e as ruas estão calmas. Da igreja matriz, Nossa Senhora do Pilar, setecentista, branca e amarela de linhas simples, a vista é panorâmica sobre a baía. Estamos no ponto mais alto da cidade, a partir daqui é sempre a descer até à beira-mar. Ao jardim com coreto ao lado ainda chegam os cânticos da missa a meio da tarde — seis pessoas na audiência, lista de dízimo de aniversariantes do mês na porta — mas temos de caminhar muito até chegar a ruas animadas por caminhantes. A arquitectura colonial mais despojada nas ruas de paralelos tem companhia de construções eclécticas do início do século XX, com decoração apurada, e até de edifícios mais funcionais, linhas rectas a indiciar estruturas de meados do século XX. O edifício do Theatro Municipal destaca-se pela harmonia da composição e cores e é testemunho dos templos áureos da cidade, cuja decadência é visível. A enseada é caprichosa e a vista pode perder-se horas sem aborrecer-se caminhando à beira-mar, imaginamos.

Não temos esse tempo, o regresso a Curitiba impõe-se e mais uma vez é histórico. A Estrada da Graciosa rasga a Mata Atlântica ligando o litoral a Curitiba e muitas vezes parece que estamos num parque natural, não numa via pública. Refazemos os passos dos índios, que os colonos seguiram e o império pavimentou. A natureza envolve-nos e sete miradouros (com área de lazer) permitem-nos o mergulho — paramos num deles e a névoa de final de dia não nos deixa ver o mar além do verde, mas vemos um macaco mesmo ao lado. No cimo da serra, um portal surge na estrada, marcando o seu limite — o fim do bosque encantado para nós.

Cataratas do Iguaçu: a beleza será convulsa ou não será

Fora dia e veríamos selva até ao infinito e, dependendo da rota (ou cortesia do piloto), poderíamos ver também uma das sete maravilhas da natureza, património da humanidade. Isto se a névoa não cobrisse tudo e obrigasse até o avião a ir aterrar noutra cidade. É que a mistura explosiva dos milhões de metros cúbicos de água e uma das maiores porções conservadas de Mata Atlântica do Brasil, provoca uma humidade que faz deste canto do Paraná uma verdadeira ilha de brumas — que até se podem transformar em arco-íris, mas isso é outra história. Dentro desta história feita de água — é por ela que vimos, é por ela que vêm 1,5 milhões de turistas a este ponto quase impenetrável onde o Brasil se encontra com a Argentina e o Paraguai (e cenário do filme A Missão). Eleanor Roosevelt terá exclamado perante a visão “poor Niagara!”; nós chegamos para comprová-lo.

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