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Curitiba, a cidade exemplar

Marco zero e calçadão

Está claro que Curitiba sabe o que quer. E quer o progresso sem abrir mão da qualidade de vida. Por isso, pouco antes de o inovador sistema de autocarros entrar em funcionamento, abriu a maior rua pedonal do Brasil, em 1972. É na Rua XV de Novembro, que fica o “calçadão das Flores” (designação herdada do nome da rua entre 1850 e 1880, Rua das Flores), a parte que foi então fechada ao trânsito transformando-se numa passarela para curitibanos: calçada portuguesa, grandes floreiras, esplanadas, artistas de rua, entre edifícios centenários e muito comércio.

Pela sua antiguidade, a Rua XV de Novembro está incrustada na história da cidade e é marca de um certo brio cívico, casa, por exemplo, do Teatro Guaíra, um dos muitos da cidade cuja exigência cultural e a paixão pelo teatro (o seu festival é uma referência) a coloca na rota das grandes companhias, que aqui “testam” muitas vezes os seus espectáculos antes de saírem em digressão pelo país. E quando o “calçadão das Flores” se une à avenida Luiz Xavier (aqui garantem que é a mais pequena do mundo e num sábado à tarde enche-se de insufláveis para crianças), forma-se a “Boca Maldita”, local incontornável para manifestações ocasionais, debates diários nos cafés e quiosques, ponto tradicional de encontro de intelectuais — com o célebre “bonde” vermelho e branco, que veio de Santos para se tornar atracção turística de Curitiba, estacionado perto.

Não estamos longe do centro histórico da cidade, o chamado “marco zero”, a Praça Tiradentes onde se ergue a catedral. Não foi daqui que houve Curitiba — a povoação original fica nos actuais subúrbios, mas foi aqui que assentou, depois de, diz a lenda, a Nossa Senhora da Luz (levada de Portugal pelos primeiros colonos) indicar o local, e daqui irradiou, crescendo ao longo dos séculos e dos ciclos económicos que lhe moldaram o destino.

Da cidade colonial, fundada em 1693 (e promovida a capital do recém-criado estado do Paraná em 1853), não restam muitos vestígios — sobram a Igreja da Ordem, a mais antiga de Curitiba, e uma casa, ambas do século XVIII, ambas no Largo da Ordem. É um ponto incontornável, para turistas e curitibanos, mais que não seja ao domingo, quando se transforma na Feira do Largo, mais de 1500 bancas com artesanato, antiguidades, produtos regionais, objectos de decoração, livros, roupas — e até uma “praça de alimentação”, onde o pastel de bacalhau marca presença. Também há quem a chame de “praia de domingo do curitibano” e quem torça o nariz, “só se for para mulheres”.

O mundo cabe aqui

Percorremo-la na versão feira e na versão diária, a melhor forma de descobrir bares, restaurantes, galerias que se abrigam nos edifícios oitocentistas. Aos arranha-céus vemo-los quase como uma casca deste centro histórico quando seguimos a música que se insinua na rua para dar de caras com um workshop de tango — hoje é sorte, ao domingo o tango faz parte da programação da Casa Hoffmann, ali na órbita do Memorial Curitiba. O centro cultural com nome germânico (dos proprietários austríacos originais), o restaurante quase ao lado com especialidades polacas (como os nossos pieroggis), o Palácio Garibaldi, o bar do Alemão (fama e proveito), a mesquita Iman Ali e tudo o que nos terá passado despercebido são uma amostra da diversidade étnica de Curitiba, um caldeirão onde, além da mistura original de indígenas e portugueses, cabem ucranianos, polacos, alemães, italianos, chegados durante o século XIX, e também japoneses, sírios, libaneses, que aportaram já no século XX.

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