É precisamente porque a comida de rua tem uma tradição muito antiga em Portugal que André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores, em Lisboa, acha “desonesto” que se tente fazer uma distinção entre a street food que hoje se está a tornar uma moda e as roulottes ou outras formas de venda de comida que sempre existiram nas feiras, romarias ou, por exemplo, junto aos estádios de futebol em dia de jogo. “As pessoas sempre confeccionaram comida de rua. E não é venda ambulante”, sublinha. “Não se pode passar por cima disso.”
Quando contactamos André Magalhães para lhe perguntar que projectos de street food acha mais interessantes, ele responde imediatamente que o sítio que prefere em Lisboa para esse tipo de comida é a Feira do Relógio, que acontece todos os domingos de manhã na zona de Chelas e Marvila. Entre as tendas (bancadas de madeira com uma cobertura de pano e o apoio de um camião) que vendem roupa, sapatos, perfumes, objectos de cozinha e mil outras coisas, há um espaço enorme dedicado à comida.
Vende-se fruta, legumes, queijos, pão, enchidos, há bancas mais exóticas com produtos usados na culinária africana, por exemplo, e outras mais tradicionais. E, ao lado, há grandes roulottes onde em alguns casos até três ou quatro pessoas cozinham bifanas, hambúrgueres, as célebres sandes de couratos (pele do porco) ou os brasileiros pastéis de vento.
A nova onda de street food, diz André Magalhães, “quer mostrar que está a inovar, mas está apenas a copiar uma tendência internacional que começou nos Estados Unidos”. Além disso, prossegue, a comida de rua não tem que ser motorizada. “É uma tradição milenar no Oriente. E não é necessariamente uma coisa motorizada, geralmente é uma pessoa sozinha, sentada num sítio fixo, a cozinhar.”
Já em Portugal, continua André Magalhães, “há uma tradição muito grande de comida de feira, nas romarias sempre tivemos os fogareiros ou, mais tarde, um bico de gás para pôr a panela com a feijoada ou o rancho, uma grelha para fazer febras na brasa ou, como se faz no Algarve, ovas de polvo”. Recorda, entre outros exemplos, “o famoso polvo à feira, temperado com pimentão-doce e cortado às rodelas com uma tesoura, tradicional nas festas galegas”.
Pode haver projectos interessantes no novo movimento de street food, admite o dono da Taberna, mas não concorda que se estabeleça uma fronteira entre as tradicionais roulottes de bifanas, couratos ou farturas e as novas de hambúrgueres e hot dogs. Critica, aliás, “a preguiça enorme e a criatividade zero” de alguns dos novos projectos, que “se limitam a copiar conceitos que viram noutros países” quando em Portugal “existe um receituário mais interessante de comida de rua” que não está a ser explorado.
Esta explosão de interesse a que assistimos hoje tem muito a ver com a influência da comida de rua mexicana nos EUA, sobretudo através da Califórnia, que acabou por entusiasmar alguns chefs que, não tendo dinheiro para abrir um restaurante, apostaram numa cozinha motorizada, explica. Depois, o fenómeno foi-se espalhando e hoje é um negócio em crescimento.