A arquitectura tem o charme rústico destas paragens, de inspiração aragonesa, que não é elegante como nos Alpes (embora nos tenhamos cruzado com Elle, uma cadela minúscula que, com o seu casaco negro e rosa e óculos a condizer, merecia outras passerelles) mas tem uma aura de autenticidade ancestral.
Os edifícios de pedra e madeira com telhados de xisto impossivelmente inclinados albergam uma sucessão de pequenos negócios, gastronómicos à cabeça — espreitamos pâtisseries, boulangeries, frommageries a vender directamente para rua, boutiques de produtos regionais e gourmet — , de equipamento desportivo a seguir; vemos também mobiliário típico, souvenirs, roupa, cafés bares e restaurantes. O movimento é grande (não esquecer o tamanho da vila), há grupos de crianças de escola a passear e só nós parecemos preocupados em escapar às armadilhas da neve-gelo dos passeios — preferimos ir pelas ruas.
Fora da zona mais central, perto da casa de um dos mais famosos habitantes de Saint-Lary, o urso Bingo, digníssimo representante da raça pirenaica, que não chegamos a conhecer, de vez em quando temos de saltar para as bermas porque os limpa-neves estão atarefadíssimos — rasgam o ar com os seus alertas. Se optarmos por seguir o percurso do rio Neste, que delimita Saint Lary, numa promenade estreita à laia de varanda imensa que acompanha toda a povoação, salvamo-nos dos limpa-neves, mas podemos cair nas armadilhas que a camada de neve esconde: ao sair da “varanda” podemos calcular mal a sua altura e acabarmos enterrados nela.
Não são só os limpa-neves que estragam o idílio nevado. Dos céus chega um ruído constante de helicópteros: andam sobre os picos a prevenir avalanchas que têm provocado o fecho das estradas para a estação, de algumas pistas e até das ligações para Espanha, aqui mesmo ao lado. E como previnem as avalanchas? Provocando-as. Assim, os helicópteros andam a sobrevoar os pontos sensíveis e a lançar explosivos, seguidos de perto por outro helicóptero da televisão pública francesa, que vai transmitir as imagens para todo o país.
O porco e a igreja que chora
Neve farta, portanto, quando nos dirigimos para La Vignécoise – Maison Coustalat, conservaria artesanal. Já não é Saint Lary, embora estejamos mesmo ao lado, é Vignet, em estrada que atravessa campos nevados e onde vai sempre passando gente com esquis e pranchas, já que a telecabina é já ali, do lado de Saint Lary, claro.
A especialidade aqui é o porco preto de Bigorre, um “primo” do porco ibérico que dá origem a iguarias igualmente apreciadas e um produto com denominação de origem protegida que nos últimos anos “renasceu” no panorama gastronómico francês. Na parte da frente é loja, nas partes traseiras unidade de produção artesanal. “Temos pequenas quantidades, entre 30 a 50 porcos para garantir a qualidade”, explica Jean Michel Coustalat, “quando não há porcos de qualidade, há um consórcio [Consortium du Noir de Bigorre] que assegura que todos os produtores têm um mínimo de animais para produzir.” A família Coustalat produz charcutaria e conservas artesanais há mais de 20 anos e os animais são criados pelos próprios. Da sua pequena produção saem ainda, por exemplo, produtos de canard gras, embora os patos não sejam de sua criação.