É o eterno estudante de Coimbra, cultor paradigmático de toda a boémia estudantil e admirado intérprete de fado. Hilário é, portanto, o pretexto para falar dos estudantes: é impossível falar de Coimbra sem os mencionar, eles que marcam o seu ritmo. Como há-de dizer-nos Alexandre Lemos, do projecto Condomínio Criativo (lá iremos), “o ano aqui termina com banhos de cerveja [queima-das-fitas] e recomeça com banhos de cerveja [recepção aos caloiros].” Nada mais apropriado, portanto, que estudantes sejam os anfitriões da referência maior da cidade – e é assim que conhecemos Franco Dinis e Angélica Gusmão, 28 e 37 anos, trajados à porta do Pátio das Escolas para receber os visitantes. São ambos estudantes de doutoramento, vindos do Brasil. “Fomos convocados para recepcionar os turistas, mesmo aqueles que vêm com guia. Somos anfitriões em nome dos estudantes e só mesmo estudantes aqui podem estar.” Não podem receber dinheiro sob qualquer pretexto nem vender nada – podem, porém, tirar fotografias e são poucos os que resistem a fazê-lo com estas espécies de guardiães do templo do saber trajados a rigor.
Quando entramos no Pátio da Inquisição dificilmente conseguimos imaginar os tempos de terror de que herdou o nome. Há uma beleza tranquila, quase monástica, nesta praça interior rodeada de edifícios majestosos (que foram colegiais e depois inquisitoriais), mesmo com a vida quotidiana a correr. Os carros estacionados não permitem usufruir totalmente do espaço ao dirigir-nos para o Centro de Artes Visuais – Encontros de Fotografia, instalado desde 2003 no edifício onde funcionou o Colégio das Artes. Durou pouco essa vocação, já que em 1566 aqui se instalou o tribunal do Santo Ofício até à sua extinção em 1821. Recuperada um pouco a vocação artística, a praça alberga o grupo de teatro A Escola da Noite, recebe espectáculos de teatro e de música ao ar livre, e o CAV para onde entramos por um pátio luminoso no branco da pedra do edifício e do chão. Há crianças a brincar aqui – e nada mais. O interior do CAV parece em hibernação e para percorrermos a exposição de Vasco Araújo “E eles tinham coisas para me dizer...” é necessário ligarem-se as luzes, os vídeos, as colunas de som.
Diz-se que foi o primeiro colégio jesuítico de todo o mundo, o que se construiu em Coimbra a partir de 1547 e por onde passou, por exemplo, o padre António Vieira. E, para servi-lo, construiu-se também uma igreja que com a expulsão da Companhia de Jesus, por ordem do Marquês de Pombal, passou para o episcopado que a tornou a nova catedral da cidade, a chamada Sé Nova – o colégio passou, por seu lado, para a universidade. É inconfundível a origem jesuítica da Sé Nova, no Largo da Feira, pois tem todos os traços arquitectónicos paradigmáticos desta ordem: a fachada (relativamente) sóbria, com estátuas de quatro santos jesuítas (entre eles, inevitavelmente, Santo Inácio de Loyola), dividida em vários andares onde se alinham portas, janelas, pilastras.
Há uma escadaria que separa o largo do Museu Machado de Castro, um dos incontornáveis de Coimbra, que leva o nome do escultor natural da cidade cuja formação humanista foi moldada precisamente pelos jesuítas. O museu, com uma considerável colecção de escultura – em pedra, madeira e terracota -, joalharia, ourivesaria, mobiliário, cerâmica (incluindo azulejos jesuíticos) e têxteis, guarda uma máquina do tempo – do tempo dos romanos. O criptopórtico romano, uma galeria subterrânea, leva-nos ao tempo de Aeminium.