Foram essas mesmas manchas em branco do globo, prestes a serem definitivamente preenchidas, mas algumas das quais ainda por nomear, que também inspiraram Bronislaw Malinowski a sonhar transformar-se no “Conrad da antropologia”, e a diminuir a ignorância que nos separava das culturas que tínhamos (e continuamos a ter) dificuldade ou desinteresse em conhecer, entender ou aceitar. Malinowski fazia na sua infância o que ainda hoje fará qualquer criança curiosa com o rodopio incessante do globo: fixar um dedo e exclamar:
– Irei lá quando for grande.
E enquanto Malinowski se sentava à frente de um mapa de África em branco, com vontade de um dia partir e de o conhecer, Joseph Banks e Roderick Murchison, da Real Sociedade de Geografia inglesa, procuravam descobrir, conquistar e explorar os dois grandes mistérios do século XIX: as fontes do Níger e as do Nilo. A nascente do Nilo foi um gigantesco enigma, como antes o fora o percurso do Níger ou a localização de Tombuctu – as suas primeiras tentativas de resolução remontam a Heródoto.
Sim, era tudo (e ainda o é) uma questão de conhecimento e de tempo. O escritor francês Jean Cocteau, por exemplo, afirmava que podia viajar tão bem e tão rápido como fizera a personagem de Verne. Desafiado pelo Paris-Soir e acompanhado do secretário e amante Marcel Khill, a quem chamou Passepartout no relato dessa viagem, o Mon Premier Voyage, Cocteau concretizou a profecia literária do seu conterrâneo em 1936: deu a volta ao mundo em 80 dias e demonstrou que a estória de Verne havia deixado de ser ficção científica! Ponto.
Hoje, é mais excêntrico continuar a jogar whist num qualquer Reform Club do que dar a volta em menos dias do que aqueles que Phileas Fogg ou Jean Cocteau necessitaram para vencer uma aposta ou responder a um desafio literário.
Vejamos. Dar a volta ao mundo com partida e regresso a Lisboa (evitando os ameaçadores céus europeus de Agosto passado, mês fatídico para o transporte aéreo), com escalas e estadas em África, América do Sul, América do Norte, Ásia e Oceânia, foi exequível, digamos, façamos as contas, em... 27 dias. Foram necessárias 19 viagens de avião, num total de 95 horas e 91 minutos de voo, praticamente quatro dos 27 dias de viagem, para circunvagar por aeroportos, capitais e metrópoles, ruínas incas, estradas panorâmicas com leões marinhos e baleias, praias resplandecentes, etc., de Luanda, Joanesburgo, Sun City, São Paulo, Buenos Aires, Colónia do Sacramento, Lima, Cusco, Machu Picchu, São Salvador, Los Angeles, São Francisco, Honolulu, Guam, Hong Kong, Singapura e Zurique (ver infografia). Juntem-se-lhes quatro curtas viagens de barco (no rio da Prata e no mar do Sul da China), uma admirável viagem de comboio de Cusco a Machu Picchu e as obrigatórias auto-estradas entre Los Angeles e São Francisco. Duração total, para inveja do personagem literário inglês e do escritor francês: 650 horas, ou seja, 39 mil minutos. Visto assim, o mundo tornou-se ainda mais pequeno do que era à mesa fictícia de um clube masculino do centro de Londres ou na ficção científica do autor de Nantes.