Somos presas de um padrão de consumo, mas também de uma “extraterritorialidade”, por pertencermos instantaneamente a locais de escala ou de permanência que sabemos que serão sempre temporários. Sabemos que nunca pertenceremos a estes locais e que nunca pertenceremos a qualquer tempo preciso: os fusos horários andam para trás e para a frente com a mesma displicência de um limpa-pára-brisas. Para citar uma oportuna e saltitante frase de Peter Carey, trata-se de “uma noite muito longa aos saltos por cima da Terra”. Na verdade, uma volta ao mundo são várias noites muito longas aos saltos por cima da Terra.
Mas a padronização do turismo e do que lhe é intrínseco, sobretudo reflexo de um massificado padrão de consumo, ainda não chega para eliminar a riqueza da diversidade e para nos fazer permanecer inamovíveis, numa época em que a mobilidade e essa diversidade são, mais do que nunca, opções de inconformidade. Isso não basta para nos inibir de andar aos saltos por cima da Terra. Literalmente.
E depois “ficamos imediatamente presos a este estranho paradoxo: o planisfério parece pequeno e o mundo vasto”, como nota Michel Ofray. Que acrescenta o que vem a seguir: “Mas o inverso também é verdade: o planisfério é vasto e, contudo, o mundo pequeno porque, não obstante a sua natureza e a sua extensão, qualquer lugar está porém ao nosso alcance e, graças aos transportes modernos, cada vez mais rapidamente.” Sim, rapidez. A velocidade mudou o conceito de viagem. Afinal, não foi ela o segredo de Fogg? Afinal, também ele se poderia socorrer da Teoria da Viagem para exclamar em mais um jogo de whist: “Todos os destinos se tornaram possíveis – é tudo uma questão de tempo.”
O que nos deve querer dar a volta ao mundo – e, já agora, há quem o faça das maneiras mais imaginativas – é conhecer em sentido lato, bem lato. Seja aproveitando a rapidez, seja pregando a lentidão: a caminhada a pé, a montada de um burro ou de um camelo, o barco a vapor ou o cruzeiro, as roulottes ou as bicicletas ou o eterno comboio. Rimbaud foi a pé, bem mais do que Graham Greene. Cendrars e Theroux utilizaram o comboio; Jack London vagabundeou pelas linhas de ferro como quis; Monod sempre quis o camelo para divagar pelas dunas do Sara; Conrad ou Melville os barcos, fossem estes quais fossem. Somerset Maugham, um personagem diferente, transportava-se de pónei, com uma data de servos e de mulas, e interrogava-se, em plena selva birmanesa, sobre as razões pelas quais os exploradores do século XIX não falavam de comida nos seus relatos. Bowles usou o barco, o avião e até num jaguar se passeou pelo deserto marroquino.
Na primeira das novelas deste último, em “Um Céu que nos Protege”, há um personagem que explica, na sua óptica peculiar, as diferenças entre um turista e um viajante. Port, assim se chama ele, defendia uma teoria: o primeiro é o que está sempre a ir-se embora, o segundo é o que permanece. No fundo, uma questão de pressa. Enquanto o primeiro movia-se sempre com a pressa de regressar a casa, o outro movia-se lentamente, ao longos dos anos, de um lugar para o outro.