No interior de uma manga, em contagem decrescente para a entrada de mais um voo, sem saber se podia igualar Cocteau em classe e conforto, pensava como Fogg, com uma ligeira nuance:
– Eu embarcarei. Matematicamente.
A rapidez...
A norte de Joanesburgo, Sun City já não é a mesma inexpugnável fortaleza africânder – o paraíso branco artificial com praias artificiais, cinemas, reservas naturais, casino e tudo o mais que se possa imaginar neste paraíso imaginário. Mas permanece como lenda de um mundo perfeito no meio da selva, um conto de Kipling numa versão da Disney. Sun City – ex-líbris do embargo cultural ao apartheid – é agora um local transponível pela curiosidade e pelo poder financeiro dos black diamonds, a classe negra mais abastada sul-africana, cuja entrada estava outrora reservada à função do criado. Agora, pequenas cidades de assalariados engordam a sua cintura. Agora, quando Sun City acorda, também desperta para os petrodólares da península arábica, para os muitos novos-ricos asiáticos, enfim, para todas as cores e todas as moedas. Joanesburgo, nos seus ricos enclaves de Sandown, é também ela mais a preto e branco do que alguma vez foi. Porque antes era simplesmente monocolor. E basta existir uma evocação de Mandela, ora uma enorme escultura a abençoar a cidade ora uma representação insuflável, para acicatar o desejo de uma selfie com o velho amigo Madiba. O que não quer dizer – atenção – que os guetos se tenham tornado incompatíveis com uma democracia, seja ela qual for.
Em Buenos Aires, não se acorda da mesma maneira que em Sun City. Na Argentina, procura-se o refúgio sadio a norte de Buenos Aires, no paraíso lacustre do delta do Paraná ou dos seus condomínios fechados. Ou do outro lado do rio da Prata, na Colónia do Sacramento, uruguaia, mas de velho parentesco português, uma árvore genealógica caída no olvido. Nas ruas da grande metrópole, os arbolitos tomaram conta das ruas com o seu negócio: o câmbio ilegal nas ruas de maior circulação de peatones. São como árvores sopradas pelo vento, que reproduz uma cantilena em uníssono: “Câmbio, dólar, euro, real”.
Os peatones brasileiros visitam-na pela proximidade, pela extravagância do frio de Agosto, pelo charme europeu ou pelo encanto que as grandes salas de tango e os cantores de bigode à Clark Gable reservam às respectivas “galeras”. Enquanto isso, Kirchner vaporiza-se de helicóptero pelos céus de Buenos Aires para não escutar as tristes milongas e evitar a Avenida 9 de Julho. A crise é o dia-a-dia e Borges uma coisa de intelectuais. Grades e polícia permanente protegem a sua Casa Rosada (cujas janelas Evita Perón eternizou nas suas litanias populistas) dos protestos dos veteranos das Ilhas Malvinas, das mães de Maio que insistem em saber o que aconteceu aos filhos que a ditadura militar evaporou ou de todos os desafortunados dos solavancos de uma economia catatónica.
No Peru, ex-presidentes da república estão presos, outros ainda a monte, o caminho iluminado da guerrilha maoísta parece ter-se ofuscado de vez e um prato de ceviche na marginal de Lima faz esquecer a morrinha e as obras que fazem lembrar o Dubai.