Fugas - Viagens

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    África do Sul, Sun City Thomas White/Reuters
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    E navegar num submergível para espeitar da janela a Grande Barreira de Coral australiana? OVE HOEGH-GULDBERG/UNIVERSITY OF QUEENSLAND/REUTERS
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    Mapa-múndi da volta ao mundo DR
  • "Fogg tinha razão: o mundo diminuiu. É tudo uma questão de tempo. E de dinheiro." REUTERS/NASA

Anatomia de uma volta ao mundo em 27 dias

Por Amilcar Correia

Phileas Fogg deu a volta ao mundo em 80 dias numa ficção de Júlio Verne. Passados 63 anos, Jean Cocteau concretizou-a e escreveu um livro de viagens. Amílcar Correia foi mais rápido: 650 horas, 19 voos, muitos saltos entre continentes. De facto, Fogg tinha razão: o mundo diminuiu. É tudo uma questão de tempo. E de dinheiro.

O mundo já não era tão grande como “antigamente” quando Phileas Fogg aceitou a aposta de lhe dar a volta em 80 dias. O célebre personagem que Júlio Verne forjou para a sua novela de 1873 tinha razão: o mundo diminuíra. Era matematicamente plausível – ainda por cima para uma personagem que o autor asseverara ser tão “exacto quanto um cronómetro” – fazê-lo “em 1924 horas, ou seja, 150 mil e 200 minutos”. Para alguém que achava que o imprevisto não existia, Fogg acreditava ser possível saltar matematicamente dos comboios para os navios a vapor e destes novamente para os comboios.

– Eu saltarei. Matematicamente – dizia o personagem à mesa do Reform Club de Londres, enquanto jogava, mecanicamente, mais uma partida de whist.

Fogg, ou Verne, tinha, de facto, toda a razão: não só o mundo encolhera, como também era tudo uma questão de tempo. As desventuras africanas de Mungo Park, à procura das fontes do Níger e da cidade de Tombuctu, inspiraram uma classe de viajantes ou de exploradores que tanto desagradou a Claude Lévi-Strauss. Mas todos eles, e Lévi-Strauss aspas aspas, contribuíram para tornar o planisfério mais plano, familiar e reduzido aos nossos olhos de europeus. Mungo Park, René Caillié, David Livingstone, John Speke, Samuel Backer, Henry Stanley, Richard Burton, James Bruce ou Joseph Thomson escreveram relatos e epopeias que desvendaram terras e costumes misteriosos, enigmáticos ou bárbaros, consoante o ponto de vista de cada um. Já muitos séculos antes Montaigne tinha explicado que chamávamos bárbaro a tudo aquilo a que não estávamos acostumados; que era bárbaro que os franceses fossem tão selvagens como aqueles a quem chamavam selvagens e ao mesmo tempo tão cegos com os seus próprios defeitos.

Na época vitoriana, os livros dos exploradores exerceram um enorme fascínio; eram documentos ou reportagens de grande circulação. Algumas dessas obras foram autênticos sucessos na época do seu lançamento e convenceram muitos outros aventureiros ou oportunistas a seguirem-lhes as pisadas por aqueles territórios que continham, para a ânsia dos europeus, demasiados espaços em branco. Daquele rol, quase todos eles eram escoceses, todos eles eram britânicos, à excepção de René Caillié, e quase todos agiram como exploradores, aventureiros (com ou sem causa) e tinham na retaguarda um mercado livreiro e um público ávido de ler os seus contratempos, privações e façanhas. E nenhum deles tinha a pressa do personagem de Verne. Presume-se que a única excepção fosse mesmo a do galês Stanley.

Capello e Ivens, ou Serpa Pinto, Duarte Barbosa ou Pêro Pais, exploradores, marinheiros, comerciantes ou missionários, também andaram por esse planisfério amplo e desconhecido e escreveram o que tinham a escrever. Uns eram escritores, outros apenas escreventes. Cada país teve os seus viajantes e exploradores na exacta medida das suas pretensões em se apoderar de uma fatia dos continentes-alvo de disputa mundial. Na maioria dos casos, é claro que os exploradores eram batedores do colonialismo. As suas descobertas (um conceito tipicamente europeu, como se os nativos não tivessem sido os primeiros a descobrir as Montanhas da Lua, o lago Vitória ou a cratera de Ngorongoro, para falar apenas no caso de África) serviram interesses científicos, comerciais e políticos. Só poderia ser europeu, de tão arrogante que era, o hábito de designar de novo o que já tinha nome.

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