Fugas - Viagens

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    África do Sul, Sun City Thomas White/Reuters
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    África do Sul, Joanesburgo Mike Hutchings/Reuters
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    Angola, Luanda Mike Hutchings /Reuters
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    Uruguai, Colónia do Sacramento Jorge Adorno/Reuters
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    Peru, Machu Picchu Pilar Olivares / Reuters
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    Peru, Lima Enrique Castro-Mendivil/Reuters
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    EUA, Los Angeles Wally Skalij/LA Times/MCT
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    EUA, São Francisco Robert Galbraith/Reuters
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    EUA, Waikiki Beach em Honolulu, Havai Chris Wattie/Reuters
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    Guam (Micronésia) Reuters
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num submergível
para espeitar da
janela a Grande
Barreira de Coral
australiana?
    E navegar num submergível para espeitar da janela a Grande Barreira de Coral australiana? OVE HOEGH-GULDBERG/UNIVERSITY OF QUEENSLAND/REUTERS
  • Mapa-múndi da volta ao mundo
    Mapa-múndi da volta ao mundo DR
  • "Fogg tinha razão: o mundo diminuiu. É tudo uma questão de tempo. E de dinheiro." REUTERS/NASA

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Anatomia de uma volta ao mundo em 27 dias

... e o remoto

O romantismo das caravanas de camelos ou dos transatlânticos são caminhos de outros séculos. A Índia de Marco Polo, a África de Caillié, o Oriente de Nerval, o Tibete de Heinrich Harrer, a Pérsia de Anne Marie Schwarzenbach, a Sakalina de Tchekhov, mas também a Alice Springs ou a Patagónia de Chatwin. As ideias de remoto ou de recôndito estão “hoje ao nosso alcance através dos itinerários traçados nos mapas definitivamente varridos de manchas brancas”, diz Michel Ofray, o da Teoria da Viagem – Uma poética da Geografia.

A ideia de remoto é uma ideia subjacente a qualquer vontade de partir; seja o sonho de um resort exclusivo e escondido no delta do Okavango ou o de um resort numa ilhota da Melanésia bafejada por um oceano. Como diria Ismael, personagem de Melville no Moby Dick: “Sinto-me sempre irremediavelmente atraído por aquilo que é remoto e misterioso.” Ou: “Adoro navegar em mares perigosos e desembarcar em litorais hostis e bárbaros.” Os livros de Melville estão cheios de sósias ficcionais e Ismael será um deles. Ao desembarcar nas ilhas Marquesas, no seu “cativeiro indulgente”, Melville foi tratado com se fosse uma espécie de príncipe e vagueou por várias ilhas do Pacífico, recolhendo as histórias que originaram os livros que o celebrizaram. E foi assim, graças a essa vagabundagem, que Malinowski, esse personagem “conradiano”, transformou a antropologia. Se Conrad trocou a solidão de marinheiro pela solidão de escritor, como observa Lindqvist, Malinowski trocou a solidão da academia pela solidão da antropologia nas ilhas Trobriand.

Uma ilhota afastada, ignorada de todos, o paraíso na terra, longe da modorra da família ou do trabalho, com praias polvilhadas de palmeiras, era uma imagem idílica e fascinante para aventureiros como Melville, essa espécie de Robinsons Crusoes de mais ossos que carne. Dada a metáfora do remoto, privado, exclusivo, paraíso, enfim, do folheto imaculado de que a nossa necessidade de felicidade e de ilusão tanto precisa, essa imagem ainda continua a ser – e não apenas para os vagabundos das praias, dos esfarrapados que habitam os Náufragos no Paraíso de James C. Simond –, o que sempre foi: idílica. É o que o comum dos mortais tanto aspira, sem escorbuto, e com transfers, room service, wi-fi. E ninguém diz que não a uma piscina. E também por que é não podemos dizer não a tudo isso?

Hoje existem denominadores comuns do turismo que encurtam e nivelam ainda mais o planeta e as suas diferenças e que poderiam enojar ou facilitar a vida de Fogg ou de Cocteau. Esses denominadores comuns não são só os aeroportos, os hotéis, os spas, os resorts, os lodges, etc, e os seus respectivos serviços, que se mimetizaram; padronizaram-se. Aconteceu, precisamente, o mesmo com os viajantes e os turistas, com os seus tablets e smartphones (e respectivos selfie sticks), transformados nas novas câmaras fotográficas ou de vídeo, os GPS ou a parafernália de aplicações (e um dia destes os óculos de realidade aumentada). Tudo para registo de uma memória futura; de uma posteridade que a maré apagará com a mesma facilidade com que apaga as belas estórias que as aborígenes Warlpiri escrevem na areia.

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