Nestes tempos de huelga, lá em cima, a 3500 metros de altitude, no património da humanidade, os cães vagueiam pelo lixo das ruas de Cusco, alguns com as mantas caseiras que protegem o seu corpo pelado do frio. Como já perceberam, os cães no Peru não têm pêlo. Os de Buenos Aires nem padecem da temperatura nem de abandono: o paseador de perros é uma profissão respeitada e importante.
O turismo é um vai-e-vem constante de Lima para Cusco e de Cusco para Machu Picchu. Se os imperadores incas regressassem hoje às suas antigas cidades andinas certamente que se espantariam com o número de mulheres polícias, com a substituição das suas construções pelas catedrais católicas e, sobremaneira, pela forma como Machu Picchu retirou a Cusco o título de “umbigo do mundo”. A ruína inca, tantos séculos oculta e desconhecida de todos, menos dos indígenas locais, é um ponto de confluência de viajantes e de turistas de tudo o mundo. Há quem vá a pé, há quem o faça de autocarro e de comboio. Não há outro emprego para um jovem em Cusco que não esteja directamente ou indirectamente relacionado com o turismo. E não é por falarem quechua. E não é, convenhamos, caso único de mono-indústria no globo.
E o que é que esta América tem a ver com as outras? Com esta, por exemplo, com a sua metade wasp e a sua metade mexicana? Com Los Angeles e as suas praias (Marina del Rey, Santa Mónica, Venice Beach, etc.) ou com os seus retiros de luxo em Santa Bárbara, exclusivos da constelação de estrelas que gravita no céu à volta de Hollywood? Com o Pacífico pela frente, estes são pequenos e ordenados centros urbanos, engalanados, luminosos e ensolarados, que acolhem quem singra e que devolvem os losers recalcitrantes. O que é que a América de Buenos Aires ou a de Cusco têm a ver com a pequenez, pacatez, riqueza e conforto, obviamente wasp, também, de Santa Ignez ou de Carmel, a Carmel de Clint Eastwood?
Enfim, com o calor e abastança desta Califórnia? Ou com a licenciosidade ou com a crueza das ruas de São Francisco, cinzentas e frias no mês de Agosto, com as paragens de autocarro da Baixa ocupadas por veteranos de guerra, crianças perdidas ou um rol significativo de pessoas sem-abrigo? Nada, aparentemente nada. Mas, mesmo assim, o mundo está mais pequeno. E mais semelhante, quiçá. Há várias formas de classificar o que é o “umbigo do mundo”, como diziam os incas, ou de entender e apreciar o que é um oásis. Não é um dislate aplicar o substantivo masculino a Buenos ou a Cusco, a São Francisco ou ao Havai. A cada leitor a sua escolha.
Repare-se, ademais, na influência do turismo asiático, já não apenas o japonês, mas sobretudo o de origem chinesa, em todo o Pacífico. Se os japoneses, a despeito de Pearl Harbour, escolhem o Havai para casar e cenário de intermináveis sessões de fotografia, os chineses escolhem qualquer lugar que possua a concentração destas três variáveis: um hotel XL com largas centenas de quartos, um centro comercial labiríntico com todas as marcas europeias de notoriedade planetária (automóveis, roupa, relógios, carteiras, por aí fora) e um casino aberto 24 horas por dia, de preferência. Tudo intercomunicável, note-se. Se sabem o que é o pachinko sabem do que é que os nipónicos são capazes de fazer quando têm uma máquina de jogo pela frente.