Ascensor da Glória
Lisboa
“É incrível que eles tenham construído estes eléctricos há tanto tempo”, comentam em inglês duas turistas sentadas à nossa frente, enquanto descemos a Calçada da Glória num dos ascensores que há 130 anos fazem aquele percurso, para cima e para baixo, unindo a Avenida da Liberdade à Rua São Pedro de Alcântara. Não resistimos a interpelá-las. Annette, alemã, e Päivi, finlandesa, conheceram-se no hotel onde estão alojadas e desde então têm passeado juntas pela cidade. Esta manhã, iam até ao Miradouro de São Pedro de Alcântara quando repararam no ascensor da Glória. Era ali que terminariam o passeio. “Tem-se a percepção da História. É como um salto atrás no tempo”, defende Päivi, já no final do trajecto. “É, de facto, incrível como conseguiram desenvolver este mecanismo há tanto tempo e tornar a vida deles tão mais fácil, sem terem de subir mais esta colina a pé”, sorri Annette.
Quando foi inaugurado, a 24 de Outubro de 1885 — um ano depois do da Lavra, o primeiro ascensor em Lisboa — as carruagens do elevador da Glória eram as únicas com dois pisos. “Pensamos que tenha a ver com o facto de logo nessa altura já haver muita procura para fazer aquele percurso e daí que tenham tentado dotá-lo com veículos de maior capacidade”, avançaria mais tarde Martins Marques, da Direcção de Operações do Modo Eléctrico da Carris. O piso inferior seria semelhante ao actual, “com os bancos longitudinais de costas para a rua”, enquanto “a parte superior, chamada ‘imperial’, era descoberta e tinha bancos também longitudinais mas no centro e virados para a rua”, conta Susana Fonseca, do Museu da Carris.
Na altura, o ascensor funcionava com um sistema de contrapeso de água, como aquele que ainda hoje é utilizado no Elevador do Bom Jesus do Monte, em Braga, o primeiro funicular construído na Península Ibérica e o mais antigo do mundo a utilizar este sistema (ler texto nestas páginas). “O carro que estava na estação superior enchia um depósito com água e, como estavam ligados por um cabo subterrâneo, ao descer, e por estar mais pesado, fazia com que o outro subisse. Quando chegava lá em baixo, despejava a água e o que tinha subido enchia o seu depósito”, descreve a responsável. “Claro que esse método não durou muito tempo devido às constantes faltas de água e ao desperdício e, ainda nos finais do século XIX, foi dotado de um motor a vapor e depois electrificado em 1914.”
Quase todos os ascensores e funiculares do país datam da mesma altura. Até então, “os transportes ainda eram todos de tracção animal” e “não conseguiam vencer determinadas colinas”, mas com o advento da arquitectura do ferro e os mecanismos de energia hidráulica (e depois a vapor), surgem uma série de ascensores em Portugal, quase todos pela mão do mesmo engenheiro, Raoul Mesnier du Ponsard, português de ascendência francesa. Primeiro o do Bom Jesus do Monte, em 1882, depois o do Lavra (1884) e o da Glória (1885), em Lisboa, a seguir o da Nazaré (1889), o dos Guindais (1891), no Porto, até ao Elevador de Santa Justa, já em 1902. Entre eles, outros tantos em Lisboa, entretanto desaparecidos, como o da Estrela, o da Graça ou o de São Sebastião. Quando a Nova Companhia de Ascensores Mecânicos de Lisboa foi dissolvida, em 1926, já só funcionavam os quatro ascensores alfacinhas que persistem até hoje, então adquiridos pela Carris: os ascensores do Lavra, da Glória e da Bica e o elevador de Santa Justa.