Fugas - Motores

A voar baixinho pelo autódromo

Por Nuno Ferreira Santos

A indústria automóvel tem diversas formas de fazer sonhar os apaixonados das máquinas de quatro rodas. Para apresentar o especialíssimo desportivo BMW M4 GTS, a marca convidou diversas pessoas a desafiar o Autódromo do Estoril.

Gosto de automóveis e gosto de conduzir, mas nunca tinha andado por estes campeonatos, experiência nova que aceitei. Mesmo num dia cinzento, com pingos a molhar o pára-brisas da velhinha Fiat Palio que me transporta — e transportou ao Estoril. A Palio, meio envergonhada, entra no recinto a medo. Mas acaba por ficar bem acompanhada, estacionada nas traseiras do paddock.

Chego a tempo do briefing no qual são dadas as informações técnicas do BMW M4 GTS. Só falta o António, informam-me.

Enquanto o nervoso miudinho vai crescendo pela espera do momento de abraçar a pista, fico a conhecer melhor o modelo-estrela que me será dado a provar e que foi desenvolvido a partir do desportivo BMW M4, que também estará disponível para testes.

Se o BMW M4 já é um carro especial, imaginem um carro de série limitada — há apenas 700 carros em todo o mundo, sendo que somente três vieram para Portugal — e com todos os apetrechos para fazer sonhar quem sofre de insónias.

As diferenças das duas máquinas são grandes, tanto por fora como por dentro. O M4 GTS apresenta-se com capot, tejadilho e tampa da mala em carbono, grande asa traseira, spoiler frontal, saídas e entradas de ar, jantes laranjas, roll-bar laranja, suspensões totalmente ajustáveis, travões em carbono, sem bancos atrás e com bancos de competição à frente. Mas a grande novidade é o sistema de injecção de água na admissão que aumenta a potência. Pela primeira vez este sistema é utilizado num veículo de produção. E com ele, além da diferença de comportamento do carro, ganhamos em números: menos 65 quilos; mais 70cv para explorar.

E o António que não chega.

Terminadas as apresentações das características técnicas do carro que proporcionou toda esta aventura, fomos ver a máquina. Lá estava ela do outro lado do paddock, na saída das boxes para a pista, a minha pista de descolagem. Junto a ela, dois “comuns” M4. Por isso, nada mais natural: o centro das atenções era o GTS. O GTS e o António que, dizem, está quase, quase a chegar.

Ainda assim, e apesar de não conseguir tirar os olhos do GTS, fui perder a virgindade de conduzir no Estoril com as mãos num BMW M4 e com um piloto do Autódromo a dar-me todas as dicas.

Parecia uma criança com um brinquedo de adultos, e comecei muito bem comportadinho para não fazer asneiras. Até porque o piso húmido fazia com que não pudesse haver grandes excessos.

De início, a pista do autódromo parece exageradamente larga, temos espaço que nunca mais acaba. Depois de uma volta, a confiança aumenta e é geral: eu em mim, eu no carro, eu no piloto do autódromo e o piloto em mim. Reparo com alguma estranheza que a pista começa a ficar mais estreita. Cada vez mais... Confesso que começo a achar a pista exageradamente estreita. Mais uma volta e ainda não consigo perceber as diferenças de velocidades. O piloto diz-me para travar ainda mais no final da recta da meta quando já tenho o carro quase imóvel. Acabo por perceber a meio da curva quando as rodas traseiras parecem fazer uma corrida individual com as rodas dianteiras e o carro se atravessa. Este é definitivamente outro campeonato mas onde é muito bom jogar. Hora de regressar às boxes, hora de subir para o cockpit do caça.

O sangue já me corria mais rápido pelas artérias. Ao sentar-me no GTS e ao amarrarem-me ao banco, senti-me o Sena cá do sítio. Ponho o coração da máquina a trabalhar e o ronco não se intimida: está bem presente e é bastante audível, parecendo o som de quem tem muito para dar e nenhum medo de o fazer.

A vingança de António

Nestas voltas senti-me um piloto de competição. Os bancos abraçam-nos de uma maneira que nos sentimos tão presos ao carro, tão seguros, como se fôssemos um só corpo. Segui o melhor que pude as indicações do meu guia e acreditei que estava a fazer uns “belos tempos”, apesar de a pista estar húmida. Velocidades para mim pouquíssimo comuns a voar baixinho, o GTS de tal maneira agarrado ao alcatrão que nas curvas sentia as aulas de Física acerca da força G, travagens impossíveis, tamanha a potência das mesmas. Sinto como se estivesse a aterrar num porta-aviões.

Disseram-me que, nestas lides, um pedal tem que estar sempre no fundo: ou o do acelerador ou o do travão. Assim o tentei. E desconfio ter conseguido, pois durante a minha prova não vejo ninguém pelo retrovisor. Ou isso ou sou o único carro em pista. Não é importante: volto às boxes de peito cheio, como quem acabou de vencer a prova que lhe deu o título mundial.

Acabou a minha experiência neste campeonato, pensei. Mas não! É que já tinha chegado o António! E este António, de apelidos Félix da Costa, tem um currículo impressionante: piloto vencedor de provas no DTM e na Fórmula E, esteve quatro anos ligado à Fórmula 1 como piloto reserva e piloto de testes da Red Bull.

Não é a primeira vez que encontro o António. Há uns anos, quando ainda era um piloto promessa, fui destacado para o fotografar, fazendo-o penar até conseguir as imagens que me agradavam. Acho que ele ainda se recorda do trauma e, quando assumiu os comandos do M4, surgiu a oportunidade de vingança. Claro que, por esta altura, achava que nada do que o António pudesse fazer me poderia surpreender. Engano meu. Só não sabia que a vingança do António poderia ter um gosto tão bom ao fazer-me voar mais alto.

Parece que, afinal, os meus tempos não eram assim tão fantásticos e que, em pista, não é o carro que faz o piloto.

É com esta certeza que volto à Palio com um sorriso nos lábios. E volto a casa feliz: com a experiência, com o dia, com as pessoas. Mas sobretudo feliz com a Palio.

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