Quando, nos anos de 1980, as longas e difíceis provas de terra estavam no auge da popularidade, a Honda, seguindo as ideias do fundador Soichiro Honda, criou, através da HRC (Honda Racing Corporation), uma moto tecnologicamente à frente da concorrência e ganhou anos seguidos a tão desejada prova. A NXR 750, a primeira moto refrigerada a água a ganhar o Paris-Dakar, conquistou o título em 1986, 1987, 1988 e 1989.
Aproveitando os conhecimentos do desenvolvimento da vencedora NXR750, a marca nipónica projectou uma moto de produção para aventuras de longas distâncias e todos os tipos de terreno. Versátil, simples, ágil e fiável, dando uma inabalável confiança ao condutor para grandes raides de aventuras. É assim que, em 1988, é apresentada a primeira Africa Twin, a XRV650 (RD03) com cores semelhantes às da NXR750. O sucesso na competição passava então para o sucesso no mercado das motos comerciais.
Depois do nascimento com a RD03, é comercializada de 1990 a 1992 a Africa Twin XRV750 (RD04), de 1993 a 1995 a Africa Twin XRV750 (RD07) e de 1996 a 2003 a última Africa Twin XRV750 (RD07a). A partir daí a Honda deixou um pouco de lado as motos de grandes aventuras, continuando a lançar maxitrails — mais pesadas, mais estradistas e menos aptas para terrenos mais exigentes —, acompanhando a tendência do mercado. Mas a velhinha Africa Twin nunca deixou de ter fãs nem de ser procurada e utilizada nas estradas de todo o mundo. A pergunta era feita vezes sem conta: “Quando será que a Honda lança uma nova Africa Twin?” Surgiram boatos, alguns desenhos de possíveis novas versões, mas nada parecia antever o regresso da Africa Twin. Até que, no final de 2014, no EICMA, o Salão Internacional da Moto, a Honda apresentou o protótipo de uma nova Africa Twin. Ainda camuflada com lama, apenas serviu para aumentar o suspense que perduraria por mais quase um ano. Só no fim de 2015 vários jornalistas foram levados à África do Sul para finalmente conhecerem e testarem a nova Africa Twin e, trinta anos depois da primeira vitória da Honda no Paris-Dakar com a NXR750, chegou ao mercado a Africa Twin CRF1000L em três declinações: a CRF1000L, a ABS CRF1000L (com ABS incluído) e a ABS e DTC CRF1000L (além do ABS, traz transmissão automática de dupla embraiagem).
Treze anos depois da última XRV750 Africa Twin, não conseguimos deixar de comparar a nova com a antiga. Tentaram manter a filosofia de uma moto muito polivalente e preparada para verdadeiras aventuras, mas são tecnicamente motos diferentes. Experimentámos a ABS CRF1000L e, já com as mãos no guiador, a memória parece fugir para a XRV. Uma das grandes diferenças entre a antiga e a nova é o motor. A antiga tem um dois cilindros em V de 750cc com 62cv; a nova, um dois cilindros paralelos, com maior cilindrada (1000cc) e mais potência (95cv). Mas, mesmo apesar de exibir um novo propulsor, a cambota desfasada a 270º leva-nos a recordar o comportamento e o trabalhar do motor original da XRV750.
Apesar de mais pesada que a antiga, mas devido ao tamanho e arrumação do motor compacto de cilindros paralelos, a moto torna-se esguia sem ser pequena e mais leve sem ter menos peso. A anterior pesava 205kg; a nova pesa 212kg (a seco). Além do mais, as prestações do motor são muito agradáveis. De comportamento linear, sai muito bem das baixas rotações devido a um binário máximo de 98 Nm às 6000rpm, não se sentindo grandes vibrações em baixas ou médias rotações. A ajudar a que tiremos o máximo partido deste motor, uma caixa de seis velocidades que faz toda a diferença face à anterior que dispunha de uma transmissão de cinco relações (e tantas vezes nos pedia para pôr a sexta...).
O corpo molda-se à moto como mão em luva, com as pernas a encaixarem bem no depósito (18,8lts) sem ficarem muito abertas devido à estreita zona central, facto que facilita a chegada com os pés ao chão. Apesar de alta, o banco é regulável em altura em duas posições o que vai alterar a distância do banco ao solo em 20mm (870mm ou 850mm).
As distâncias entre o banco, poisa-pés e manetes do largo guiador são óptimas, o que torna a simbiose do corpo com a moto uma perfeição. Além do mais, os comandos usufruem de boas e acessíveis posições. Com uma posição de condução muito semelhante à original, tudo parece bastante equilibrado e natural. Até porque, parecendo duro, o banco é confortável. Já o quadro em aço dá-lhe uma óptima ciclística, compacta e confortável, com boas prestações em diferentes cenários e, em curva, não nos exige quaisquer preocupações.
Bem equipada ao nível das suspensões — na frente, uma forquilha Showa invertida de 45mm de diâmetro com um curso de 230mm; atrás, Showa com um curso de 220mm e com ajustes —, tira ainda proveito das rodas grandes (21’’, à frente; 18’’, atrás) para melhor ultrapassar obstáculos. Também na altura de travar, o sistema não deixa créditos por mãos alheias, com dois discos recortados de 310mm à frente com pinças de quatro êmbolos e atrás disco de 256mm com pinça de dois êmbolos.
Incrivelmente maneável em velocidades baixas e reveladora de um comportamento muito estável em regimes mais elevados, faltava-nos a prova dos nove. A serra de Aire foi o terreno escolhido para ver do que a CRF1000L é capaz fora do alcatrão. Afinal de contas, esta pode não ser a mais potente nem a mais veloz das maxitrails, mas é uma verdadeira moto de aventura que nos deverá levar a qualquer lado. E foi isso que aconteceu. Com segurança, confiança e conforto de corpo e espírito, chegámos ao topo da serra e à derradeira conclusão: a CRF1000L Africa Twin é de condução muito ágil na cidade, é boa para um longo e confortável passeio a dois ou até mesmo para nos aventurarmos numa viagem até ao fim do mundo.
Ainda assim, a responsabilidade de colocar a divisa Africa Twin na CRF1000L é grande. É que, se para a XRV Africa Twin se tornar a lenda das maxitrails foram precisos umas dezenas de anos, será necessário aguardar mais de uma década para se ter a certeza de que esta nova mota é digna de tal título.